Ao mesmo tempo, fascinante e deprimente, deslumbrante e dramático, rico e pobre, incrível e ruinoso, variado e poluído, o cenário na Mina de São Domingos, em Mértola é único e exemplar. Aliás, devia constituir um exemplo (espero que constitua) para gerações futuras.
Mais de 50 anos depois do encerramento definitivo da exploração mineira nesta região do Alentejo, as consequências ambientais mantêm-se. As ruínas dos edifícios atraem, porém, visitantes de todo o lado.
Para mim, a exploração mineira terá sempre um significado especial. Pelas ligações familiares e de amigos e pelo facto de há alguns anos — nas últimas férias antes de entrar para a universidade — ter experimentado ser mineiro por três dias em Neves-Corvo.
Confesso que mesmo que não me tivesse dedicado ao jornalismo, às viagens, ou à fotografia, não teria (não tenho) estofo para trabalhar num desses locais. Porque os turnos ou o ambiente poluído (por mais limpo e moderno que possa ser) me iriam empurrar dali para fora ainda antes de adquirir qualquer paixão por tal profissão — por muito bem remunerada que fosse, ou seja, essa ocupação laboral.
Por isso o maior respeito por quem lá trabalha e faz disso o seu ganha-pão. Sei, por tudo isto, da importância que este sector representa em certas regiões de Portugal e do mundo. Ainda que não tenha visto a Mina de São Domingos em actividade, é um lugar que fascina e me faz reflectir.
Já a visitei várias vezes e, também, já estive vários anos ausente. Todavia, o tempo passou devagar (ainda mais devagar) nesta zona do Alentejo. Terá passado, talvez, mais de uma década desde a minha última visita a São Domingos. Com excepção da Praia fluvial e um ou outro hotel que essa zona de lazer trouxe para São Domingos, quase nada mudou.
No antigo complexo mineiro, muito menos ainda mudou. Os edifícios das antigas oficinas ferroviárias continuam a ser uma das primeiras imagens para quem visita a zona. A antiga ponte está mais destruída, enquanto o desgaste imparável — nos 12 anos em que estive ausente — também não poupou a Achada do Gamo ou a Moitinha.
As estruturas herdaram o mesmo envelhecimento precoce que sentiram todos os mineiros que por ali passaram.
As águas continuam a circular e a provocar reacções químicas nos solos, matando quase tudo em seu redor. Os níveis de poluição estão tão elevados como antes e as antigas albufeiras continuam a suster as águas ácidas.
Sobra a praia da Tapada Grande, um oásis nesta área do concelho de Mértola.
Da Mina de São Domingos à Tasmânia
Experienciei em São Domingos, ao vivo, o mesmo ou semelhante ao que assisti no documentário “Where the river runs red” das Minas de Queenstown, na Tasmânia.
As mesmas imagens de abandono, de desemprego, de poluição, de desastre ambiental. Numa frase: a forma como não se deve fechar uma mina, após o fim das actividades exploratórias.
A Mina de São Domingos, é inegável, trouxe para a população (nessa altura) um nível de desenvolvimento e rendimentos muito acima do vivenciado no resto do país.
O mesmo acontece, actualmente, a 60 quilómetros, num outro município alentejano, em Castro Verde. Aqui, onde o poder de compra per capita é superior à média nacional, de acordo com os dados de 2017 do INE. É, aliás, a localidade com maior poder de compra no Alentejo, com excepção das cidades de Évora e Beja.
Refere o estudo do Instituto Nacional de Estatística: “Emergia um conjunto de municípios dispersos, com valores acima da média nacional (…) — Azambuja, Loulé, Portimão, Espinho e Vila Nova de Gaia e Castro Verde”.
Todas são localidades situadas em áreas metropolitanas, onde estão instaladas grandes fábricas ou cujas receitas provêm do turismo. Castro Verde é a povoação que destoa no estudo.
Porquê? A explicação é simples: a Mina de Neves-Corvo. Aqui são processados anualmente, de acordo com a Somincor, três milhões de toneladas de cobre, chumbo e zinco. É uma das maiores produtoras de minério da Europa, detida pela empresa sueca Lundin Mining. E tal como São Domingos integra a Faixa Piritosa Ibérica.
Em Aljustrel, ainda no distrito de Beja, a mina das Pirites Alentejanas foi o propulsor do concelho, mas quando a exploração esteve encerrada durante quase década e meia, uma nuvem negra abateu-se sobre a vila mineira.
O cenário de encerramento em Aljustrel ou Castro Verde é, regularmente, debatido em conversas pelos habitantes locais. Todavia, as consequências económicas são as únicas que causam angústia e receio.
Ainda que as duas minas funcionem com meios modernos e com condições bem distintas da Mina de São Domingos, até ao seu fecho em 1996, é impossível dizer como vai ser escrita a história ambiental quando aqueles locais deixarem de ser rentáveis para os proprietários.
Na Achada do Gamo — no coração da exploração mineira de São Domingos — eram queimadas várias toneladas de minério, para extrair o enxofre e reduzir o peso e volume dos materiais. De acordo com a Fundação Serrão Martins, um processo deste tipo “destrói quase toda a vida biológica presente nos ecossistemas afectados pelos fumos”.
Turismo negro em São Domingos
Decorreram mais 100 anos entre o forte investimento, os dias dourados e o declínio e a falência, da Mina de São Domingos. Durante mais de um século, a localidade e o complexo cresceram, destacaram-se, foram exemplo de prosperidade e pioneirismo.
Agora, a localidade é uma vasta sombra do passado glorioso. É, porém, esse dramatismo e a paisagem apocalíptica que atrai gente a São Domingos. É o que muitos apelidam de “turismo negro”. Duvido que a alguém agrade que este tipo de turismo nasça, porque para este tipo de atracção surgir significa que houve quem tivesse sofrido. Em alguns casos, que vidas tivessem sido perdidas.
É um tipo de turismo que cresce em todo o mundo. Exemplos disso são os tours em Medellín, na Colômbia, para ver os bairros do narcotraficante e assassino Pablo Escobar, ou em Chernobyl, mas também para observar arquitectura brutalista noutros locais a Leste, como em Chiatura ou Tbilisi, ambas na Geórgia.
No caso de São Domingos, a (péssima) herança é económica e, sobretudo, ambiental.
A falta de atenção após o términus da exploração, o consequente êxodo populacional, o abandono do complexo, e a vandalização das ruínas resultaram na fórmula perfeita para o enorme passivo ambiental actual da antiga área mineira.
Retenho uma ideia de um mineiro no documentário sobre a mina de Queenstown, na Austrália: poucos são os que gostam das minas, mas muito do que usamos provém do subsolo, do suor, do esforço e da saúde mental e física dos mineiros — desde logo materiais para produzir telemóveis e outros equipamentos dos quais agora dependemos.
Legado histórico de extracção intensiva
A Mina de São Domingos, no concelho de Mértola, na freguesia de Corte do Pinto, foi uma aldeia construída gradualmente ao longo dos anos, aumentando a par do desenvolvimento da exploração mineira. A zona integra a Faixa Piritosa Ibérica que se estende por mais de 240 km de comprimento em Portugal e Espanha.
A mina foi explorada de forma intensiva entre 1854 e 1966 pela empresa Mason & Barry. Mais de 20 milhões de toneladas de minério terão sido extraídos do subsolo, transportadas de comboio até ao porto do Pomarão, no Rio Guadiana, e daí escoadas por barco para outros países.
Actualmente, o Pomarão é um dos locais mais visitados do Concelho onde dezenas de veleiros atracam depois de subirem o Guadiana.
Esta foi a maior exploração mineira portuguesa até à década de 1930 e onde chegaram a laborar cerca de 1000 operários. Alguns dos equipamentos criados para apoiar a força laboral incluíam quartéis para os mineiros, oficinas, armazéns, hospital, igreja católica, cemitério protestante, teatro, clube recreativo, um mercado ou o campo de jogos.
Tudo esteve em funcionamento pleno até 1966, o último ano em que foi extraído minério da mina. Dois anos depois a Mason & Barry declarou falência com dívidas ao estado e aos trabalhadores.
O que visitar na Mina de São Domingos – do passado ao presente
Associado à revolução industrial em Inglaterra e à consequente procura de materiais, o investimento “criou” a Mina de São Domingos.
Um cine-teatro, o campo de jogos Cross Brown, um palácio (demolido mais tarde para exploração mineira), jardins, polícia privada, um cemitério privado (com terra alegadamente trazida de Inglaterra), foram alguns dos equipamentos construídos na povoação.
Alguns ainda restam, outros sucumbiram ao passar das décadas. A zona industrial da Mina era constituída por vários sectores como a Corta, Malacate, oficinas ferroviárias, Moitinha, Cais do Minério, Central Eléctrica e a Achada do Gamo.
A Corta da Mina de São Domingos era a exploração mineira a céu aberto. No Malacate fazia-se a drenagem das águas da mina.
As oficinas ferroviárias ocupavam-se da manutenção de todo o equipamento ferroviário e industrial e também neste local foram construídas duas locomotivas para transportar minério.
A Moitinha era um dos pontos mais importantes, pois era aí que os materiais eram processados nos moinhos trituradores de minério, para reduzir ao tamanho desejado a pedra extraída. Aqui eram queimados materiais a altas temperaturas, libertando fumos extremamente nocivos para a atmosfera e para quem os respirasse.
Na Achada do Gamo, eram também queimadas toneladas de minério, para extrair o enxofre e reduzir o peso e volume dos materiais. Este era o sítio privilegiado para as operações metalúrgicas e é agora um dos mais interessantes para ver em São Domingos.
Tal como noutros antigos complexos mineiros do planeta, pode fazer uma visita guiada à Mina de São Domingos. Com um custo de apenas 3€ por pessoa, o trilho irá levá-lo pelos principais locais da antiga exploração, além de o expor a um importante contexto histórico.
Actualmente existe uma Rota do Minério, num passeio que evoca o passado e percorre as ruas da localidade alentejana, além dos velhos acessos do antigo complexo mineiro, seguindo ao longo da antiga via-férrea até avistar o Porto do Pomarão. Também pode dar um salto à Casa do Mineiro que ilustra a vivência das famílias e alberga objectos e memórias dos tempos em que a mina funcionava.
O mais positivo que restou, passados todos estes anos, foi a praia fluvial da Tapada Grande.
Inicialmente construída para abastecimento da povoação e dos trabalhos mineiros, assume agora funcionalidades recreativas.
O que é agora a Praia Fluvial da Tapada Grande, começou por ser a maior das duas albufeiras de água doce criadas, em 1881, pela Mason & Barry (a empresa inglesa responsável pela exploração do solo).
A praia é acessível para pessoas com mobilidade condicionada e dispõe de lugares de estacionamento, sombras e outros equipamentos. A época balnear na praia fluvial da Mina de São Domingos decorre de 1 de Junho a 15 de Setembro. Desde 2012 que recebe o galardão da Bandeira Azul.
Regresso (sustentável) ao futuro
Não sei quando foi a primeira vez que visitei a Mina de São Domingos, nem tampouco sei quantas vezes já lá estive. Sei, porém, que a última visita tinha acontecido em Janeiro de 2008. Doze anos depois, regressar a este local histórico de Mértola é, novamente, arrepiante.
No inenarrável silêncio de um cenário desolador deslizam as nuvens espessas sobre uma paisagem onde são mais as memórias de um passado mineiro longínquo, do que um futuro turístico auspicioso.
Se em Castro Verde, o presente é ainda a exploração mineira e na Tasmânia ainda existe esperança nas montanhas para uma reabertura, em São Domingos, o futuro é agora (e amanhã), ainda, o passado mineiro. Espero que seja, porém, mais sustentável.
Informação extra
Quanto tempo para ver a Mina de São Domingos
Creio que um dia é suficiente para ver a Mina de São Domingos. Até uma tarde bastará se não quiser fazer longas caminhadas. Porém, se combinar a praia com a exploração cuidadosa do antigo complexo de exploração mineira, então um dia é perfeito.
Quando visitar a Mina de São Domingos
A Mina de São Domingos pode ser visitada em qualquer altura do ano. Eu prefiro a Primavera ou Outono, devido ao tempo ameno e aos festivais em Mértola, como o Festival Islâmico ou o Festival de Peixe do Rio. No entanto, todas as outras estações do ano são igualmente interessantes.
No Verão, as altas temperaturas são perfeitas para mergulhar na praia fluvial, mas só o início da manhã e final do dia são indicados para explorar o complexo mineiro. No Inverno, as chuvas podem complicar e tornar algo perigoso o acesso. Mas pode combinar São Domingos com uma ida à queda d’água do Pulo do Lobo.
Como chegar a São Domingos
São Domingos fica a cerca de 65 km de Beja, a 37 km de Serpa e a cerca de 18 km de Espanha. Existem transportes regulares da Rede Expressos (autocarros) para Mértola desde o Algarve (Vila Real de Santo António), cujo trajecto demora cerca de 1h30. O mesmo serviço segue para Lisboa e demora cerca de 4 horas.
Existem ligações diárias entre Mértola e São Domingos na Rodoviária do Alentejo. Os horários são: Mértola — Mina de São Domingos: 13h16 e Mina de São Domingos — Mértola: 9h25. Não existem ligações ferroviárias. O melhor modo de transporte, todavia, é o carro. Se estiver a planear alugar um carro use este site.
Hotel na Mina de São Domingos
Se preferir, veja estes hotéis em Mértola, mas existem alguns alojamentos em São Domingos, que refiro abaixo.
- Casa das Minas (9.4) — Alojamento simples numa antiga casa de mineiro restaurada
- Casa da Torre (9.5) — A poucos minutos a pé da praia fluvial da Mina de São Domingos, a Casa da Torre dispõe de acomodações apelativas
- Alentejo Star Hotel (8.4) — Acomodações boutique com vista para a praia fluvial ou para a piscina
- Palacete Dos Alcaides (8.2) — Sem grandes ostentações. Básico q.b para uma noite com cozinha equipada
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Maria João diz
Muito Obrigado gostei muito desta sua escrita ,e historia da Mina de São Domingos estive lá á uns dias com um grupo de senhoras seniores de Loulé e gostei muito como descreveu a historia da Mina de São Domingos .E claro concordo com tudo que escreveu.Muito Obrigado .Bom trabalho.Parabéns
Jorge Duarte Estevão diz
Olá Maria João. Muito obrigado pelas palavras simpáticas. 🙂 Visitar a Mina de São Domingos é algo especial e que também nos faz pensar no impacto do homem no planeta.