Fiz inversão no meu percurso De Portugal a Macau, para voltar a um local onde, para viajar de casa para o trabalho (e vice-versa), é preciso atravessar um vale, um rio e uma cidade…pendurado num cabo de aço com mais de cinquenta anos. A travessia é feita em teleféricos construídos e – virtualmente – sem manutenção desde a década de 50.
Devido ao íngreme vale do rio, os trabalhadores das minas de Chiatura passavam demasiado tempo a mover-se desde a cidade até às minas, afectando a produtividade.
Num esforço para reduzir o tempo de viagem, um sistema cruzado de teleféricos foi instalado em 1954 pelo governo de Estaline, na antiga União Soviética e da qual a Geórgia era parte integrante.
A produtividade nas minas aumentou drasticamente com os denominados “caixões de metal de Estaline”, que também eram capazes de transportar algum minério directamente para as fábricas. Chiatura é uma cidade na região de Imereti, no Oeste da Geórgia, que foi fundada no final de 1800 e rapidamente se tornou uma fonte importante de manganês e ferro.
Chiatura não é, propriamente, um local que se visite porque existe uma esplanada, um mosteiro, uma igreja ou qualquer outra atracção turística polida para receber visitantes nacionais ou estrangeiros. Talvez a única excepção seja, agora, os teleféricos suspensos.
Porém, os poucos visitantes que se deslocam para esta região fazem-no pela atracção – quiçá mórbida – de poder viajar de um lado para o outro do vale sem demoras, sem precisar de chamar um táxi ou de apanhar um autocarro.
Existiram vários teleféricos ao longo do vale, mas um deles era considerado o principal, na extremidade Sul da cidade. E decido, por isso, deslocar-me para a estação principal. Era esta que a maioria dos trabalhadores utilizava para aceder ao complexo mineiro.
Faziam-no a bordo de uma espécie de armário metálico, em que figuram duas janelas verticais e duas circulares. Para o operar bastava a um funcionário, numa extremidade ou outra do cabo de aço, premir um botão amarelo para fazer arrancar o teleférico e, depois, com um manípulo comandar a ascensão ou descensão.
Quando me aproximo da estação vejo um desses teleféricos, suspenso no ar, ou no espesso cabo de aço, sobre o rio. As pequenas janelas redondas e as verticais estão sujas ou gastas das década de utilização. Da cor original deste “armário” pouco resta, mas sobra muita, talvez demasiada ferrugem.
A estação está de portas abertas – aliás de portas escancaradas. Estas portas, castanhas, de madeira, compostas por pequenos envidraçados quadrados, de alto a baixo, deixam ver o interior, onde um graffiti preto quase que preenche uma das paredes. Duas enormes roldanas, presas à parede e ao chão, seguram os grossos cabos de aço e o teleférico gigante.
O edifício, robusto, mas velho e dilapidado está vazio. Quatro ou cinco metros ao lado, vê-se um hotel. Na fachada, onde antes existia uma janela, está agora um bloco de cimento a tapar o espaço.
Na pequena esplanada do hotel, uma mulher – presumo que fosse a proprietária – toma notas num minúsculo bloco de papel. Não vejo hóspedes a entrar ou sair.
Enquanto observo um outro teleférico repousado perto do chão, que antes viajava para o lado oposto do vale, e que parecia ascender de forma vertical, sou abordado pelo outro único turista que por ali passa nesta tarde quente do Verão georgiano.
Um homem, alemão, de 50 e poucos anos viaja com a filha e pergunta-me – ainda que antes de fazer a pergunta tenha poucas dúvidas sobre qual será a minha resposta. “Os teleféricos estão a funcionar?”
Respondo-lhe, sem hesitação, mas desalento:” – Já não. As operações foram suspensas ou canceladas”. O alemão despede-se, depois de me ter oferecido boleia até Tbilisi, e eu prossigo a minha observação serena dos teleféricos e da estação.
Em Zestafoni, havia conhecido um casal de suíços, de Basileia, que tinha estado em Chiatura no dia anterior e que ficou frustrado por não ter tido a possibilidade de arriscar a vida nestes defuntos teleféricos.
Já antes de ter visitado Chiatura, havia lido que não era já permitido aos visitantes estrangeiros utilizar os “caixões” porque insegurança do sistema. Os cidadãos locais, no entanto, poderiam continuar a utilizá-los.
Todavia, nas últimas semanas toda a actividade destes meios de transporte havia sido suspensa. Acredito que a suspensão ou cancelamento tenha sido motivada por motivos de segurança – antes que o apelido “caixão” se transformasse, de facto, numa fatalidade literal.
Confesso que mesmo se ainda estivessem a funcionar, não sei se teria a coragem de entrar nestes “armários” ou “caixões” para viajar até ao outro lado do vale. Por isso, talvez tenha ficado, ao mesmo tempo, desiludido e aliviado.
Durante décadas, no Verão, no Inverno, em qualquer altura do ano, homens e mulheres lançaram-se vale abaixo e acima. Sem medo, sem pensar na (falta de) manutenção destas composições metálicas. Todos os dias, fazendo a viagem dos enormes blocos soviéticos para o duro trabalho mineiro.
Caminho para a rua e sou abordado por um habitante local que me explica – por gestos – que os caixões de Chiatura estão selados. Talvez por agora, talvez para sempre. Mais tarde descobriria as obras – já quase finalizadas – de uma nova estação de teleférico, numa outra zona da cidade.
Atravesso a ponte e um outro simpático homem aponta para o topo do vale e pergunta-me – em russo – se quero boleia até lá, para visitar o local onde começava ou acaba a viagem de uma das linhas de teleférico. E também para admirar o que, constataria, seria a espectacular paisagem da cidade, do rio e das verdejantes montanhas.
Convida-me para entrar num minibus e, sem hesitação, acedo a este convite inesperado. Minutos depois percorro as ruas da cidade neste veículo, passando por todos os locais por onde havia caminhado – como o mercado de rua, onde mulheres vendem frescos produtos hortícolas: tomates, melancias, salsa, coentros, e pepinos, muitos pepinos.
Pepinos grandes, pepinos maiores, pepinos mais pequenos. De casca verde ou mais amarela. Sentada, num banco de madeira, uma mulher come sem descascar um pepino à dentada.
Eu e o meu condutor seguimos pela rua principal de Chiatura e vamos recolhendo gente: homens, mulheres e várias crianças. Todos se surpreendem por ali haver um estrangeiro no seu meio de transporte local. O condutor explica-lhes que viajo de Portugal. Depois conversam entre si e um dos miúdos é incitado – pela mãe – a conversar comigo para praticar o inglês da escola.
Outras pessoas entram neste mini autocarro e vão sorrindo e rindo. Um homem, sentado no banco da frente, virado de costas para o pára-brisas, solta piadas e toda a gente ri em uníssono. Eu também me rio mas, claro, sem perceber qualquer palavra do que diz.
Em Russo, consigo entender algumas palavras e o mesmo na língua Turca, mas na Geórgia é-me impossível identificar uma única palavra quando os locais falam entre si. Ou até quando vejo algo escrito nos painéis publicitários ou nos papéis expostos nos tabliers dos autocarros que indicam aos destinos.
Meia hora depois, estes homens, mulheres e crianças, começam a apear-se em pequenas casas no cimo das colinas, a caminho da zona mineira. O que agora é feito em meia hora, fazia-se antes em cerca de cinco minutos, numa breve viagem no teleférico.
Casas com telhados e algumas paredes de zinco, com vários remendos. São casas básicas, onde vivem várias famílias – como é comum na Geórgia.
Chego à porta de entrada do complexo mineiro e ao ponto de partida e chegada de um dos teleféricos – agora inactivo.
Dois seguranças guardam, de forma relaxada, a entrada da mina, enquanto conversam com alguns trabalhadores que saem dos turnos. Camiões carregam minério para baixo e para cima. O meu condutor diz-me que temos mais 30 minutos até voltar a descer a encosta para recolher mais gente e regressar à cidade.
Em 1989, no auge da exploração mineira e pouco antes da dissolução da União Soviética, a população de Chiatura era de cerca de 29 mil pessoas. Actualmente, o número de habitantes ronda os 12 mil.
Chiatura pode até ter bastante menos população e tornar-se em pouco tempo – como aconteceu a muitas localidades que dependiam de exploração mineira – em zonas fantasma. Esta pequena cidade da Geórgia cidade não tem atracções turísticas como catedrais, mosteiros, museus e nem sequer faz parte do roteiro turístico.
Chiatura surpreendeu-me porque ali encontrei o que está ausente noutros locais onde circula dinheiro proveniente do turismo, onde há enchentes de turistas a visitar restaurantes ou a vaguear pelas ruas ou taxistas a apregoar aos caminhantes.
Esta é uma cidade a que se atribui, por vezes, alcunhas mórbidas. Um lugar preso ao passado, com pouca aspiração quanto ao futuro e onde as condições de vivência estão a anos luz do luxo e dos prazeres de uma sociedade moderna.
Aqui, porém, encontrei gente simpática, acolhedora, bem disposta, aberta, pronta a ajudar. Em Chiatura sorri-se e ri-se à gargalhada. E, para isso, não é preciso muito. É só preciso querer.
De Portugal a Macau – crónica #16
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