Creio que pela primeira vez, nas minhas viagens, sou mais o alvo da atenção de olhares alheios do que o inverso. Reparam em mim como se tivesse invadido este lugar, mas fazem-no com curiosidade, com delicadeza e simpatia.
Esforço-me para fazer a minha melhor pose para os habitantes locais, que usam os seus telemóveis para me fotografar. Uma vez eles, outra vez eu. Alternadamente registamos momentos, cada qual com o seu objectivo (e objectiva) a bordo do comboio circular de Yangon, em Myanmar.
Este meio de transporte serve a área metropolitana da antiga capital, circulando em loop por cerca de 46 km e 39 estações, ligando cidades satélite e áreas suburbanas à cidade birmanesa. Mas este não é um qualquer transporte de passageiros.
O comboio circular é mais do que um aglomerado de carruagens, é um mercado, é um ponto de encontro, funciona como transporte de bens e pessoas, é até centro comercial. Acima de tudo, este percurso ferroviário, em Yangon, é autêntico.
Além de mim, vejo um par de turistas, um casal no interior do comboio e, lá fora, um homem japonês, de máquina fotográfica em punho, em cima das linhas de caminho de ferro desactivadas e paralelas àquela onde circulo.
Percebo a sua perseverança, já que este é um comboio fotogénico, tal como os restantes em Myanmar. Registo também eu a sua incursão pelas linhas ferroviárias.
Mas aquele homem nipónico não está sozinho. Acompanham-no dezenas de pessoas que atravessam a linha em qualquer ponto, de sacas de 50 quilos ao ombro, sacos de doces e snacks, em transição para um qualquer mercado ou banca de rua – e existem muitas a cada esquina em Yangon.
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Mercado em movimento
Embora existam cerca de 40 paragens deste comboio circular de Yangon, a verdade é que a velocidade do comboio é tão reduzida que em muitas zonas esse número se multiplica por dois.
A entrada e saída de passageiros e vendedores é frenética, é impossível (a não ser que seja habitante local) dizer em que estação ou apeadeiro se está, com excepção de algumas onde existem, de facto, placas com o nome da paragem.
Mulheres, com pesados cestos de junco na cabeça, caminham por vezes mais depressa que o próprio comboio. À saída de Yangon, ficamos parados na linha por mais de 20 minutos.
Sou, porém, o único surpreendido com esta paragem não programada. Jovens aproveitam para pendurar-se nas portas e janelas, para aproveitar uma eventual brisa que acalme este calor inebriante.
Lá de fora apenas vem calor e nem mesmo as duas ou três ventoinhas, em rotação máxima, parecem surtir algum efeito.
Sentado numa das portas, virado de frente para o sol, num dos pouco espaços vazios no comboio, bebo água quase a cada minuto. Oferecem-me um lugar, mas cordialmente sorrio e rejeito o convite. Entre a opção de estar “esmagado” entre outros passageiros e estar ao sol, opto pela segunda opção.
Aproveito a minha posição estratégica para tirar mais umas fotografias, esquecendo o sol ardente. Foco-me no movimento incessante de pessoas ao longo da linha. Sob as linhas ferroviárias paralelas, as mesmas onde estava o fotógrafo nipónico, vejo roupa a secar ao sol.
A pobreza ainda é endémica neste país e, nas cidades, a distância que separa os pobres dos mais privilegiados é enorme. Muitos vivem em barracas improvisadas nas ruas, nas imediações da estação de comboios ou ao longo da linha, para além dos muros que delimitam os traços da ferrovia.
No interior do comboio, vendedores invadem as carruagens para vender jornais, vegetais ou fruta. Sacos de plástico com guloseimas, tabuleiros com fatias de papaia, cestos com dezenas de tangerinas. Nas estações ou apeadeiros, cozinha-se, vende-se carne em palitos, batatas fritas caseiras, vegetais, fruta, água.
“Queres água?”, pergunta-me uma jovem. Olho para as minhas reservas na mochila e ainda tenho bastante, mas por simpatia acedo e compro uma garrafa, depois de verificar se está fechada.
É fundamental esta certificação, pois existe um mercado alternativo de água, onde se enchem e vendem garrafas com água da torneira, sem tratamento.
Infelizmente, a não reutilização de milhões de garrafas de água tem graves consequências para o ambiente.
Janelas de abas abertas ao lixo
Choca-me uma atitude comum na Birmânia. Infelizmente não é exclusiva desta nação asiática, mas de grande parte da Ásia. Se é verdade que existem poucos ou nenhuns caixotes do lixo, isto não pode de forma alguma ser desculpa para a leviandade e facilidade com que se atiram sacos plásticos, garrafas, latas – tudo o que já não serve – pela janela fora.
Na minha opinião, trata-se de uma questão educacional ou civilizacional, sobretudo num país que ainda há pouco tempo saiu do isolamento do mundo e viveu (vive?) durante décadas debaixo de uma violenta ditadura militar. De qualquer modo, é uma questão que necessita de ser corrigida com urgência.
Recordo-me de estar na Nova Zelândia, numa paisagem de incrível beleza, imaculada, na região dos fiordes, de Milford Sound. Não existem aí caixotes do lixo. Mas na memória ficaram-me vincados dois factos: o primeiro é que não vi paisagens poluídas com plástico, papel, vidro ou latas.
O segundo facto, tem a ver com os avisos que explicam porque não existem caixotes do lixo. Devido à localização remota e aos custos elevados para a recolha do lixo pede-se a todos os visitantes que levem consigo todo os resíduos, todo o lixo até encontrarem local onde o depositar.
Plásticos inquietos nos nossos pratos
Ao longo da paisagem urbana, semi-urbana e rural em que circulo, não apenas em Yangon, mas por toda a Birmânia, vejo sacos plásticos a rodar, a saltar, inquietos à mercê do vento.
Outras dezenas, centenas, milhares repousam ao lado das linhas de caminho de ferro ou dos pequenos arrozais onde alguns trabalhadores locais, com água pela cintura, retiram uma das várias colheitas do ano. No entanto, a vida destes plásticos não termina ali.
Um deficitário sistema de recolha e gestão de resíduos – aliado às enormes quantidades produzidas diariamente (mais de duas mil toneladas de lixo por dia em Yangon) – resulta na acumulação junto da ferrovia e habitações. Estas lixeiras improvisadas ardem lentamente, muitas vezes sem intervenção humana, pela acção directa do sol.
A exposição contínua ao forte calor provoca a libertação de gases e fumos que causam graves problemas respiratórios e doenças associadas, afectando sobretudo quem vive nas proximidades e em condições de salubridade deficientes.
Polui-se a paisagem e, em parte, os meus pensamentos sempre que fito o olhar naquele acumulado de plástico que, em muitos casos, irá terminar no mar, na cadeia alimentar, no estômago de muitos animais e, no final deste processo, no seu e no meu prato.
Cientistas em todo o mundo alertam que tem aumentado de forma substancial a quantidade de pequenas partículas de plástico – invisíveis ao olho humano – na vida marinha, muita desta consumida pelos humanos.
Herança sem luxo
Reparo que num prédio onde a tinta está gasta pelo tempo, as portadas das janelas estão, mesmo assim, tão brancas quanto o branco imaculado de uma camisa que vislumbro pendurada, no interior de uma das casas, contrastando com o cortinado colorido da janela do lado.
Nas linhas desactivadas, na sombra de uma das estações, a um metro de onde circula o comboio, uma dúzia de rapazes joga às cartas, enquanto adultos ao lado preferem desafiar as tácticas no tabuleiro de xadrez.
As carruagens, patrocinadas pela saborosa cerveja de Myanmar, ostentam imagens de jogadores de futebol locais, vestindo camisolas vermelhas da selecção desta antiga colónia britânica.
As linhas ferroviárias foram a grande herança deixada pelos ingleses para a população birmanesa. Apesar de terem sido, algumas delas, construídas há mais de 100 anos, continuam a ligar quase todos os pontos do país.
Viajar de comboio neste país asiático é uma aventura, mas um enorme prazer onde se sorri constantemente, em que se convive e partilham refeições, se compra e vende de tudo um pouco, onde se ouvem e contam histórias, se lêem jornais, e, acima de tudo, se fazem novos amigos.
Nota: Utilizo, de forma intencional, os nomes Birmânia e Myanmar para me referir ao país asiático. Myanmar foi o nome introduzido de forma unilateral, sem consulta ao povo birmanês, pela ditadura militar, mas ainda é rejeitado por uma grande parte da população. Visitar Yangon é fundamental numa viagem a Myanmar.
Informação extra
Como viajar no comboio circular de Yangon
(quanto custa, quanto demora e onde comprar os bilhetes)
O comboio circular de Yangon é uma das formas mais baratas e autênticas para participar na realidade dos habitantes da grande metrópole da Birmânia. Construído em 1954, durante a época colonial pelos britânicos, o comboio transporta diariamente mais de 100 mil passageiros, ao longo de cerca de 40 km. O comboio parte da Estação Central de Yangon, um elegante edifício colonial a necessitar de revitalização.
Se pretender fazer esta viagem fantástica e entusiasmante, aqui fica a informação essencial.
Onde comprar o bilhete do Comboio Circular de Yangon
Estação Central de Yangon – plataforma 7.
Como chegar à Estação de Yangon
Eu optei por caminhar até à estação. Não há melhor forma de conhecer do que andar a pé e sentir o pulso à cidade. No regresso apanhei um táxi até ao hotel onde fiquei alojado.
Custo do Bilhete
200 kyats = 13 cêntimos. Leu bem, 13 cêntimos!
Existem bilhetes mais caros para as carruagens com ar condicionado, mas as janelas não abrem (provavelmente irá com mais turistas), perde toda a emoção nas carruagens “reais” e é difícil tirar fotos. Se repetir esta experiência, voltarei a viajar na “carruagem do povo”.
Duração do percurso
O circuito completo (46 km) dura 3 horas, mas pode sair a qualquer momento e saltar para o comboio no sentido contrário. Foi exactamente o que eu fiz após cerca de 1h30 de viagem.
Horário do comboio circular de Yangon
O Comboio Circular de Yangon sai diariamente da Estação Central de Yangon a cada 45 minutos ou uma hora – até ao final do dia. Os comboios realizam diariamente as viagens no sentido dos ponteiros do relógio (direita) e no sentido inverso (esquerda) ao longo do circuito ferroviário.
É apenas uma questão de preferência, pois vai passar pelos mesmos locais e terminar onde começou: na estação de Yangon.
6h10 (Direita / Esquerda), 8h20 (Direita), 8h35 (Esquerda), 9h30 (Direita), 10h10 (Direita), 10h45 (Esquerda), 11h30 (Direita), 11h50 (Direita), 12h25 (Esquerda), 13h05 (Direita), 13h40 (Esquerda), 14h25 (Direita), 15h30 (Direita), 16h40 (Esquerda), 17h10 (Direita)
Estações onde pára o comboio
Estação Central de Yangon, Pagoda Road, Lanmadaw, Pyay Road, Shan Road, Ahlone Road, Panhlaing Road, Kemmendine, Hanthawaddy, Hletaw, Kamayut, Thiri Myaing, Okkyin, Thamaing, Thamaing Myothit, Gyogon, Insein, Ywama, Phawkan, Aung San Myo, Danyingon, Golf Course, Kyaikkale, Mingaladon Bazaar, Mingaladon, Waibage, Okkalapa, Paywetseikkon, Kyaukyedwin, Tadagale, Yegu, Payame, Kanbe, Bauktaw, Tamwe, Myitta Nyunt, Mahlwagon, Pazundaung.
O que necessita para esta fantástica viagem
Vai necessitar do passaporte para comprar os bilhetes e dinheiro para comprar bens a bordo. Pode levar água, adquirir na Estação de Yangon ou no interior das composições.
Não faltam vendedores com água e comida, mas tenha em atenção que não existem casas de banho no comboio. Leve também um grande sorriso, porque vai sorrir bastante e vão sorrir-lhe de volta.
Restaurantes em Yangon
Por mais do que uma vez visitei e deliciei-me com as delícias locais do pequeno restaurante Jana Mon Ethnic Cuisine, em Yangon. Recomendo o prato principal de carne picada de vaca, frango ou porco com erva-limão por 3500 kyats (2,20€) meia-dose e 4,70€ uma dose. Experimente também o caril de peixe ou porco pelo mesmo preço.
Morada: Nandawoon Street, 119, Use That Shae Quarter
Visto para a Birmânia
Ao contrário de anteriormente, pode solicitar o visto para a Birmânia online e deverá estar pronto no prazo três dias úteis. O visto é válido por três meses e pode permanecer no país por um período máximo de 28 dias. O custo para o visto de Myanmar é de 50 dólares (2018).
Como chegar a Yangon
Não existem voos directos de Portugal para Myanmar. De Lisboa, pode voar para a Birmânia com a Emirates por cerca de 700€. Outra opção é voar de Lisboa para Banguecoque e daí apanhar um voo low cost para Yangon. Utilize o Skyscanner para comparar as diversas opções e preços.
Eu voei a partir de Londres, com a Qatar Airways, e recomendo este percurso já que a viagem é repartida de forma equilibrada, com paragem em Doha, no Qatar. De Londres, existem também soluções mais económicas com a Air China (500€), embora envolvendo voos bem mais longos.
Hotel em Yangon
Fiquei hospedado no centro de Yangon e recomendo vivamente o Lavender Hotel. As instalações são confortáveis, a localização é perfeita – poucos minutos a pé da principal atracção turística de Yangon, a Pagoda de Shwedagon.
Aliás, recomendo que ao nascer do sol e ao pôr-do-sol suba ao terraço do hotel e veja o sol a iluminar o ouro e diamantes deste fantástico monumento.
Além disso, tem vista para um mosteiro de monges e perto da entrada existe um incrível mercado de rua onde se irá perder e deliciar durante largos minutos.
Outras alternativas para pernoitar em Yangon
- The Loft Hotel Downtown
- The Strand
- Pan Pacific Yangon
- Hotel G Yangon
- Yangon Excelsior
- Hostel President
Seguro de viagem
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