Desço umas das principais avenidas de Tbilisi, a Avenida Rustaveli, oiço uns gritos e sinto-me perseguido por um grupo de homens, milhares de homens. Olho para trás e vejo apenas uma mulher. Seguem em direcção ao parlamento da Geórgia para entoar a sua voz de protesto contra a agendada marcha LGBT que aí deveria ter lugar nesse dia.
Na frente do pelotão, vestidos com coletes e luvas pretas, representantes de grupos de extrema direita gritam até ficar vermelhos de raiva, opondo-se à realização da marcha homossexual na capital da Geórgia. Já antes, a manifestação LGBT havia sido cancelada devido a ameaças de grupos nacionalistas e do lobby cristão – exactamente as mesmas figuras que encabeçam esta marcha anti-gay.
Grupos nacionalistas e padres caminham lado a lado para impedir a celebração livre dos direitos de quem escolheu ser diferente daqueles que agora ali percorrem a avenida da cidade.
Tento, o mais rapidamente possível, dissociar-me deste grupo de pessoas e refugio-me numa das arcadas da avenida, enquanto os vejo passar. Alguns, têm nos pulsos ligaduras brancas.
Como se estivessem a pré-aquecer para uma aula de pugilismo, vão rodando os pulsos em movimentos giratórios. Pela sua cara e atitude é fácil ver que vão dispostos (e talvez pré-dispostos) para confrontos com quem quer se lhes oponha. É fáci perceber porque a marcha LGBT, seria outra vez, adiada sine die.
A Geórgia é um país profundamente conservador, os movimentos religiosos controlam a população. Há igrejas e mosteiros um pouco por todo o lado, nas cidades, à beira das estradas, nas montanhas.
Tal como na vizinha Turquia, a fé impôe-se e sobrepõe-se a quase tudo. Uma das diferenças é que o apelo à oração é feito de forma mais subtil, sem uso de megafones no topo das igrejas, como acontece com as mesquitas dos vários países islâmicos.
Num dos dias que viajo de Kazbegi para Tbilisi, com um dos condutores mais cautelosos – talvez o único – que tive na Geórgia, este apego à fé foi evidente. Este homem, de 40 e alguns anos, benze-se por três vezes à passagem por cada igreja que encontra.
Esteja esta à beira da estrada ou numa colina da montanha distante. Fá-lo durante três horas por mais de uma dezena de vezes (vezes três). Em alguns momentos até se atrapalha para meter mudanças e benzer-se ao mesmo tempo.
Esta dedicação não foi, no entanto, suficiente para que não fosse mandado encostar pela polícia. Fá-lo e tenta inverter a marcha alguns metros para chegar até ao carro da polícia. Porém, apercebe-se que afinal as forças da autoridade mudaram de ideias e mandam-no seguir viagem. E é aí que solta a ira contra a patrulha.
Não sei exactamente o que terá dito, mas presumo que algo parecido com o que se chama aos árbitros de futebol para mostrar desagrado por alguma decisão. Foi um momento de gargalhada para os alemães, japoneses, e chineses que seguiam comigo no veículo.
Ao passar pelo Monumento Amizade Rússia-Geórgia, algures entre Tbilisi e Kazbegi, não consigo deixar de pensar na ironia desta obra, no meio das montanhas. Nesta altura, utilizar as palavras “Rússia”, “Geórgia” e “amizade” na mesma frase será excessivo.
Volto – ou volta a minha mente – à Avenida Rustaveli para me recordar das várias noites que milhares de protestantes encenam gritos de revolta contra Putin. Por ali passo e o cenário repete-se quase de segunda a sexta-feira.
Os manifestantes reuniram-se inicialmente para expressar a sua ira contra o deputado russo, Sergei Gavrilov, que se sentou na cadeira parlamentar georgiana enquanto discursava para um conselho de legisladores de países cristãos predominantemente ortodoxos.
O simbolismo de um parlamentar russo a discursar, em russo, a partir da cadeira do presidente da assembleia parlamentar, em Tbilisi, foi como se alguém atirasse lenha (ou pólvora) para o fogo.
População, partidos da oposição – e até o presidente do país – em uníssono, forçariam, depois, a queda do presidente do parlamento. No entanto isso foi insuficiente para serenar os protestos. Mas nas noites seguintes, a avenida encher-se-ia de novo e invariavelmente para protestar contra a presença de Gavrilov no parlamento.
Geórgia e Rússia continuam de costas voltas voltadas devido à anexação de algumas regiões georgianas por parte do governo de Putin. As relações Rússia-Geórgia estão tensas há mais de uma década.
As tropas russas entraram na Geórgia em 2008 e ocuparam várias cidades, dado origem a um breve confronto bélico, no qual Moscovo apoiaria os separatistas das regiões da Ossétia do Sul e da Abkházia. Isso não foi esquecido e leio em vários lugares – de gigantes outdoors na beira das estradas do país, a pequenos autocolantes nas portas e vidros dos carros – a mesma mensagem: “Russia is occupant”.
Apesar destas relações, e da aproximação ao ocidente, a verdade é que a Geórgia depende em larga medida do dinheiro que chega da Rússia.
Desde logo o dinheiro que turistas e investidores depositam nos cofres de Tbilisi. De Mestia a Tbilisi, de Kazbegi a Kutaisi, encontro turistas russos. Velhos, novos, grupos de viajantes, famílias e crianças. E os apelos para estes estão escritos em russo.
Um bloco de novos prédios com o nome Dreamland, apela ao coração (e carteira recheada de rublos russos) para a compra de apartamentos no Mar Negro num condomínio fechado. Nos enormes outdoors vejo anúncios para venda de modernos apartamentos em prédios envidraçados ainda por nascer, colados ao oceano.
Os políticos georgianos e russos estão de costas voltadas, mas a relação entre as populações dos dois países é menos complexa. É, no fundo, uma questão de acerto de contas. Literalmente.
De Portugal a Macau – crónica #14
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