Contacto a minha anfitriã – proprietária do apartamento onde vou ficar hospedado no centro de Belgrado – e digo-lhe que devo chegar por volta das 17h00, no comboio proveniente da Eslovénia, pelo que devo fazer check-in entre as 17h00 e 18h00. Responde-me prontamente: “Vens de comboio? Vai(s) chegar atrasado”.
Afinal não é só em Londres, Lisboa ou Zurique que há atrasos nos comboios. Sim, a pontualidade britânica foi o primeiro mito quebrado quando visitei o Reino Unido pela primeira vez em 1999 e mais tarde, enquanto residente na capital, Londres.
Assisto com curiosidade à cerimónia de separação das composições do comboio. Algumas já tinham ficado para trás em Zagreb, onde antigas linhas férreas foram “decoradas” por extensos campos de papoilas. Outras carruagens haviam ficado em Vinkovci, na zona de fronteira entre a Sérvia e a Croácia.
Repete-se o mesmo procedimento, na separação das composições, a sinalização entre os trabalhadores das linhas férreas e a verificação final que tudo está OK para seguir viagem para o próximo país.
A entrada em Zagreb foi feita num contínuo mar de graffiti ou graffitis sobrepostos. O próprio comboio em que viajo está pintado com cores berrantes de latas de tinta. Na entrada da fronteira esloveno-croata a imagem primeira é a de um colchão e roupas, como se alguém vivesse ali, debaixo da ponte de betão.
O comboio onde circulo – ou parte dele – havia chegado da Áustria, ou talvez ainda de mais longe, da Suíça. Apanho-o em Lesce Bled, seguindo pela Croácia, para finalmente me apear em Belgrado.
O trabalho de separação das composições demora largos minutos e essa pausa e o vício do cigarro força muitos viajantes a sair para a plataforma. Fumam um ou dois cigarros apressadamente, até ouvirem o apito de aviso de partida.
Ao mesmo tempo, uma mulher caminha pela plataforma, arrastando uma mala de viagem preta. Em cima da bagagem, que rola pela plataforma, o seu caniche branco segue de boleia. No interior do comboio, aqueles que reparam neste táxi canino sorriem.
Até o próprio caniche parece agradado com a nossa atenção e, claro, com o meio de transporte.
Em Tovarnik, na fronteira entre a Croácia e a Sérvia, sem surpresa e já com a quase meia hora de atraso, vários polícias fardados invadem o comboio para verificação dos passaportes. Um deles dirige-se a mim e pede-me os documentos, parecendo intrigado pelo facto de ter, no passaporte, um visto de entrada na China.
Todavia, após folhear várias vezes o meu documento, recebo o carimbo de estreia deste documento de viagem cuja emissão obrigou a uma visita (em vão) a um consulado, uma ida ao aeroporto de Lisboa e a duas lojas do cidadão para o conseguir.
Para quem viaja, um carimbo no passaporte é sempre um motivo de regozijo, porventura mais importante que o bilhete de avião. Um gesto burocrático essencial, simbólico e inesquecível. É como se as autoridades me abrissem as portas de um país, no caso a Sérvia.
Ao meu sorriso de agradecimento, por me deixar aceder ao seu país, responde este homem com um gesto que me surpreende. Leva a mão ao bolso e mostra-me, com orgulho, um porta-chaves. Por segundos não entendi porque me mostrava tal objecto, até que rodando-o na mão consigo vislumbrar o porquê deste gesto.
O porta-chaves tinhas duas faces: numa primeira ostentava a bandeira de Portugal e na outra a imagem de um mapa apontando para Chaves, em Trás-os-Montes.
Quando terá este polícia visitado esta localidade transmontana, o que terá lá ido fazer? Ou terá, simplesmente, este porta-chaves sido um presente trazido por outro visitante? Nunca saberei a resposta a estas questões.
Passaporte carimbado, sigo na minha viagem De Portugal a Macau, abandonando a União Europeia. Em breve, no entanto, a Sérvia deverá também juntar-se à comunidade de países.
Até isso acontecer (e mesmo depois disso suceder com esta nação dos Balcãs) este carimbo sérvio tem enorme significado: e não apenas simbólico.
Não observo qualquer alteração na paisagem desde que entrei na Croácia: campos agrícolas polvilhados com árvores dispersas e ausência de bosques ou matas. É assim, pelo menos a paisagem que passa diante dos meus olhos, através da janela do comboio.
Dessa mesma janela vejo inúmeros contentores imobilizados na linha férrea paralela àquela onde circulo. Nesses blocos de ferro, talvez mais de 100, leio a inscrição: “China Shipping”.
Penso, para mim próprio, que todos os caminhos da produção actual vão dar à China. E nesta viagem de longa duração, de comboio, também o meu caminho irá passar por território chinês, com fim em Macau.
Anseava pelo regresso à capital da Sérvia, onde estive há quase uma década. Regresso com céu azul, temperaturas de Verão, com a cidade em plena euforia, quando antes tinha sido brindado com céu encoberto e temperaturas de 15 ou 20 graus…negativos.
Entretanto, no comboio, entra um homem com refrigerantes numa bandeja ao alto. Vende também café e chá. Vejo-o a percorrer a bom ritmo as composições, para um lado e para o outro, para a frente e para trás.
Na mudança de país, da Croácia para a Sérvia, perdeu-se a última casa de banho funcional do comboio.
E ao mesmo tempo que se perdeu um WC limpo, também se ganhou um forte odor, quando um grupo de cinco ou seis turistas embarcaram e parecem ter feito alguma promessa para não se aproximarem de um duche durante bastante tempo.
Foi quase necessário recorrer a uma das molas de roupa que tinha na bagagem para colocar no nariz. Que longos quilómetros até Belgrado…
De Portugal a Macau – crónica #5
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