Oiço o silêncio. Mantenho-me calado. Não vejo ninguém, nem sou observado. Sustenho a respiração. Este silêncio é tão vasto como o território que se estende além do meu olhar. De uma imensidão que parece não ter limites. Procuro, insisto mas continua vazio.
Este pó branco, que é sal, terra e estrada cria a infinita sensação de horizonte incomensurável. O vento não sopra, mas a pele arrepia-se. A beleza é invulgar e trágica, surreal e maravilhosa na minha viagem pela Costa dos Esqueletos.
Gosto do convívio, dos jantares de amigos, das viagens combinadas, mas hoje, aqui, isolado do resto do mundo sinto-me feliz.
Esta Namíbia, este território, que tem vida para além de outras nações, transforma-se entre planícies desérticas, dunas gigantes, desfiladeiros e parques – como o Etosha – com espécies selvagens. Tudo presente nesta Namíbia – um dos dez países do planeta com a menor densidade populacional.
A pesca tem mais valor numa viagem pela Skeleton Coast
Canas com três, quatro ou mais metros estão colocadas, em posição vertical, com ajuda de um acessório preso à parte frontal das carrinhas pick-up e jipes, agora estacionários, no parque de estacionamento do remoto Terrace Bay – a unidade de alojamento detida a 100 por cento pelo governo da Namíbia e único local onde posso ficar alojado nesta zona do Deserto do Namibe.
Esta zona é particularmente popular para pescadores desportivos, aproveitando as águas ao longo de mais de 300 km de costa. Alguns ficam mais de dez dias para tentar capturar enormes espécimes de peixe. É esta a deixa para um dedo de conversa com um dos funcionários do minúsculo posto de abastecimento de Terrace Bay.
Abasteço mais por prudência do que necessidade, já que nesta região da Namíbia os postos de combustível são muito escassos.
Durante a minha pesquisa para esta viagem, a esta nação de África, vi bastantes avisos para abastecer sempre que possível, pois alguns dos postos de combustível da Namíbia, assim como em outros países africanos, podem estar fechados ou não dispôr de gasolina ou gasóleo.
Diz-me aquele funcionário que é raro comer carne por estas bandas e pergunta-me que tipo de peixe se come em Portugal. Tento responder com o meu conhecimento aprofundado de anos de faina – não no mar, mas no prato. Sardinha, carapau, robalo, dourada, peixe-espada, cherne ou garoupa, respondo.
Fica impressionado com tanta variedade e continuamos a conversa com o tópico que introduzo – a migração da sardinha que acontece um pouco mais abaixo, nas águas da África do Sul.
Vêm-me à memória as fantásticas imagens de biliões de sardinhas na série documental da BBC “Blue Planet”, ou Planeta Azul, e da agonia da fuga daquelas a predadores como tubarões e golfinhos ou leões marinhos.
Fugir do mar para padecer à sede no deserto
Não pergunto o nome àquele homem, na casa dos 40, diria eu, nem ele a mim. Afinal de contas, na Costa dos Esqueletos existem rostos sem nome, histórias sem memória, tragédias sem manuscrito.
Somos assim, dois rostos sem nome, o dele para mim, o meu para ele. Ao contrário dos inúmeros nomes que trepam pelas paredes do interior de Terrace Bay, dos turistas que por ali ficaram hospedados.
Foi aqui à Namíbia, que nós (os portugueses e primeiros europeus) chegámos em 1468, numa expedição liderada por Diogo Cão. Desconheço se os descobridores lusos terão chegado a esta zona, em particular, por mero acidente ou intuição, mas não duvido que o sentimento tenha sido de choque.
Eu sei que cheguei aqui por forte convicção. Quase desde sempre que me recordo de ter memória que a Namíbia fazia parte da lista de viagens de sonho. Esse sonho transformou-se em realidade.
A Skeleton Coast ou Costa dos Esqueletos, na tradução para língua portuguesa, é um local árido, onde pouco ou nada cresce e onde quase nenhuma vida animal se consegue adaptar às condições de uma costa selvagem e às furiosas areias do Namibe – um dos desertos mais antigos do mundo.
O baptismo de Portas ou Areias do Inferno resume a experiência lusa. Mesmo assim, leões do deserto, elefantes e, sobretudo, insectos e répteis sobrevivem aqui transitando pelas areias a um ritmo cadente e permanente.
Padrão roubado, trancas no nariz
O (mau) cheiro é tão intenso que é praticamente impossível respirar. Sei que, desta vez pelo menos, na minha viagem pela Costa dos Esqueletos, não posso acusar os meus companheiros de viagem. Aliás, é muito fácil encontrar o malfeitor. Não um, mas milhares.
O Cabo da Cruz é uma reserva natural protegida, onde existe uma das maiores colónias de focas do mundo. Aí nascem, reproduzem-se (aos milhares), vivem e morrem (ou são caçadas por predadores em terra e no mar) e defecam em largo número (e quantidade). Quer um conselho? Não deixe de visitar, mas leve algo para cobrir o nariz.
Durante a sua segunda expedição, entre 1484 e 1486, Diogo Cão chegou ao que agora se denomina como Cape Cross, Cabo da Cruz, e aí tratou de colocar um padrão, estabelecendo os direitos de Portugal sobre a região, enquanto procurava a rota marítima para a Índia.
O Cabo da Cruz é uma pequena península no Atlântico Sul, no Oeste da Namíbia, na estrada C34, a cerca de 120 km a norte de Swakopmund. A cruz tornou-se num marco importante de ajuda à navegação. Trata-se de um padrão de pedra, com dois metros de altura, 350 kg e uma cruz no topo.
A cruz actual é uma réplica erigida pelo Governo da Namíbia, em 1980, já que a original foi levada para a Alemanha, pelos alemães, e não foi ainda devolvida à Namíbia. Três pedras informativas, situadas em cada plataforma, foram aí colocadas em 1986, aquando da comemoração dos 500 anos da segunda passagem de Diogo Cão pela Namíbia.
Viajante sem fortuna
Um dos motivos que me traz a esta zona costeira da Namíbia é a intenção de fotografar o óxido de ferro, ou mais concretamente a corrosão causada pelo ambiente natural. A Skeleton Coast é o cemitério de marinheiros e capitães de mares que não encontraram fortuna e cujos navios encalharam em águas rasas.
Muitos dos destroços, neste autêntico cemitério de navios, estão completamente arrasados pelo sol e mar salgado, mas alguns são visíveis e podem ser vistos, e fotografados, de perto. Muitos destes foram engolidos, primeiro, pela espuma do mar, e depois pela paciente invasão de triliões de grãos de areia.
Os bosquímanos costumavam chamar à costa “A Terra que Deus criou com raiva”, enquanto os navegadores portugueses se referiam à Costa dos Esqueletos como “As Portas do Inferno”. E, tal como muitos marinheiros, também eu não tive sorte. A minha tentativa para captar algumas dessas imagens de barcos encalhados torna-se impossível.
A água fria da corrente de Benguela, no Oceano Atlântico, colide com o ar seco e quente do Deserto do Namibe. O nevoeiro frio e denso que daí resulta estende-se até ao mar.
É impossível e não recomendável, nestas condições, tentar conduzir a viatura por esta estrada que nem consigo vislumbrar nesta viagem pela Skeleton Coast.
Frustrado, mas mesmo assim de alma cheia, rumo a Norte, em direcção a Angola, mas sem nunca lá chegar. Cercado pelo mar oceânico, de um lado e outro mar, de areia, do outro, sinto-me como se tivesse chegado ao fim do mundo.
Afinal, o fim do mundo não fica na Patagónia argentina, mas sim na Namíbia. Mesmo sem fortuna, com sede e calor, sinto-me muito feliz aqui, neste fim-de-mundo, que é apenas, para mim, um fantástico mundo novo.
Informação extra
Existe um elevado número de acidentes rodoviários, sobretudo envolvendo turistas. Muitas das estradas não são alcatroadas e é prudente viajar a uma velocidade moderada, na ordem dos 80 km por hora, mantendo uma distância maior para o veículo da frente.
É altamente recomendado não viajar de noite na Namíbia, porque existem muitos animais na estrada. E não é aconselhável dar boleia a estranhos, embora eu o tenha feito sem qualquer problema.
Se visitar zonas remotas, confirme que existem postos de abastecimentos de combustível a funcionar, já que estes se podem encontrar encerrados. Além disso, prepare-se para mudar pneus porque os furos são muito comuns.
Na primeira visita à Namíbia, tive de substituir dois pneus e reparar outro. A condução na Namíbia faz-se pela esquerda, tal como no Reino Unido e o uso de cintos de segurança é obrigatório.
Dinheiro na Namíbia
O cartão de crédito é aceite em grande parte dos estabelecimentos comerciais, mas convém transportar dinheiro consigo. Nem todos os postos de combustível, por exemplo, aceitam cartões de crédito. A moeda é o Dólar da Namíbia e tem exactamente o mesmo valor que o Rand da África do Sul, sendo esta moeda também aceite na Namíbia.
Visto para a Namíbia
Os cidadãos portugueses não necessitam de visto para a Namíbia para permanências até 90 dias, mas o passaporte deve ter uma validade de pelo menos 6 meses após a data de entrada no país.
Segurança na Namíbia
A Namíbia é um dos países mais seguros de África. Apesar de Windhoek ser uma cidade calma e segura, nos últimos anos têm aumentado os assaltos na capital e é preciso ter os cuidados básicos, nomeadamente em postos de abastecimento de combustível onde deve sempre trancar as portas do carro. Veja mais informação sobre segurança na Namíbia.
Como chegar à Costa dos Esqueletos
Em primeiro lugar não se atemorize com o nome. A Skeleton Coast, Costa dos Esqueletos, é um lugar fantástico, belo e onde irá realmente apreciar a simplicidade e beleza de um lugar. Mas, a Costa dos Esqueletos fica longe de quase tudo.
É uma zona remota no oeste da Namíbia e pode integrá-la numa viagem onde inclui, por exemplo, Sossusvlei, o Fish River Canyon, a observação de milhares de flamingos em Walvis Bay e prosseguir, depois da visita à Costa dos Esqueletos para Damaraland e para o Parque Nacional Etosha.
Voos para a Namíbia
O mais provável é chegar de avião a Windhoek. Pode fazê-lo num voo directo de Frankfurt com a Air Namíbia ou através de um voo de ligação em Joanesburgo.
Existem voos de Lisboa e de várias capitais europeias como Londres ou Paris para Joanesburgo (TAP, SAA, BA, Virgin, KLM, Emirates, Iberia) entre outras companhias aéreas. Utilize o Skyscanner para comparar as diversas opções e preços.
De Joanesburgo existem voos directos para Windhoek (cerca de duas horas) com a South African Airlines, Air Namibia ou British Airways. Pode também voar do Porto com a TAAG, com ligação em Luanda.
Transporte na Namíbia
Não necessita de veículo todo-o-terreno para percorrer esta estrada de sal na Namíbia, embora seja mais confortável.
Eu optei por um veículo 4×4 na viagem pela Skeleton Coast, com ar condicionado e todo o equipamento de campismo como tendas que se erguem em cima do carro, colchões, frigorífico, telefone satélite, três pneus sobressalentes, tanque de 140 litros. Não o fiz para percorrer esta zona, mas a minha viagem apenas iria terminar no Zimbabué.
Pode utilizar a ferramenta que utilizo para aluguer de carros. Se optar por veículos 4×4, recomendo a empresa Advanced Car Hire, com sede em Windhoek. Todo o serviço foi assinalável e até pode deixar o carro noutro ponto do país ou noutro país e organizar a recolha – embora isto tenha um custo extra associado.
Onde ficar na Costa dos Esqueletos
O alojamento que mais se encontra na Namíbia, em zonas rurais e remotas, é lodge e campismo. Nesta zona existem poucas opções, mas pode usar este site para encontrar os melhores locais para se alojar.
Eu fiquei no Terrace Bay, na Costa dos Esqueletos. É uma propriedade estatal e que dispõe de instalações confortáveis, desde quartos duplos até chalets de praia para várias pessoas.
O pequeno almoço é suficiente e a comida do restaurante é saborosa, sobretudo peixe. É um bom local para passar uma noite, embora o preço seja elevado dada a sua localização remota.
Seguro de viagem
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Organizo e lidero viagens em grupo para destinos que conheço bem. E só faço viagens com pequenos grupos (máximo de 12 pessoas).
Já estive em 60 países, por isso se tiver uma viagem em mente com um grupo de amigos, familiares ou colegas de trabalho, contacte-me e terei todo o prazer em planear, organizar e liderar a viagem que deseja. O roteiro poderá ser desenhado à medida, assim como o orçamento e actividades.
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José Luís Costa diz
Sou um português, cota, “alfacinha”, que sempre adorei viajar, conhecer outos locais e outras gentes e costumes. Infelizmente, derivado de poucos recursos, nunca passei de países da Europa, Turquia e Ceuta !
Li com prazer este seu texto e quase me revi a viver a experiência descrita, tal a forma directa e real com a descreve. Mas, essencialmente, achei muito interessantes e acertados os conselhos que dá aos “novos aventureiros” que queiram fazer também o mesmo tipo de viagem descrita no texto.
Obrigado, e boa sorte e saúde para poder continuar !
Jorge Duarte Estevão diz
Muito obrigado José pelas palavras simpáticas. Espero que tenha a possibilidade de, um dia, visitar a Namíbia. É um lugar de sonho. Um grande abraço e boas viagens.