Numa placa castanha, de madeira, no Castelo de Marvão, deparo-me com esta afirmação: “De Marvão vê-se a Europa toda”. É o meu segundo dia “preso” dentro destas muralhas que, se falassem, contariam histórias sem fim. É a primeira vez que vou visitar Marvão, mas tenho a certeza — desde logo — que não será a última.
Ao final do dia, passeio pelas estreitas ruas e ruelas, onde pontificam elegantes portas e janelas e um silêncio profundo. Subo e desço as ruas empedradas, não encontrando mais do que uma simples alma, enquanto contemplo a minha própria presença nesta solidão perfeita. Em Marvão durmo e descanso, como nunca.
O dia amanhece com um intenso nevoeiro e quase não vislumbro as muralhas da vila fortificada de Marvão, apesar de esta estar a curtos passos de onde me encontro. Lá em baixo, dizem-me, o sol já começou a furar esta grossa manta de nevoeiro e, em breve, irá estender-se sobre a paisagem alentejana.
Sou o único a caminhar pelas ruas ao raiar do dia. Todos os outros que visitam Marvão estão a dormir (suspeito), a tomar o pequeno-almoço ou a caminho desta vila — muitos apenas visitam, em excursões, por uma ou duas horas a belíssima povoação do distrito de Portalegre. Sinto-me, por isso, privilegiado por a ter “só para mim”.
Na Portagem, uns quilómetros abaixo, as piscinas municipais estão hoje encerradas e o movimento é inexistente. Apenas o Rio Sever — que fez nascer Marvão há muitos séculos — segue o seu ritmo normal, ainda sem pressas porque o Inverno está longe.
Aproveito para visitar Marvão e fotografar sem restrições, parando apenas para constatar a forma ordenada e delicada como a recuperação e preservação das habitações de Marvão foi efectuada. É, aliás, isso que torna a vila numa espécie de museu ao ar livre – mas um museu com vida.
As habitações e monumentos como a fortificação, o Pelourinho, a Igreja de Santa Maria ou a Igreja de São Tiago convencem turistas a visitar Marvão. Além, claro, do Castelo de Marvão.
Palco de disputas sinistras, guerras e batalhas no passado, visitar Marvão é também uma imersão na história de Portugal. Aqui, aconteceram várias lutas entre reis e membros da corte, de D. Afonso Henriques, a D. Dinis ou ao Mestre de Avis.
Marvão ao ritmo da gaita de beiços e de Meio Tostão
Na Casa da Cultura de Marvão – onde se encontram, por exemplo, a antiga Sala da Guarda e a Sala do Antigo Tribunal – mais de 50 pessoas assistem a um vídeo sobre a história do concelho.
Desde o tradicional festival da castanha – um dos sabores referência da cultura marvanense — até à forma como ali, em Marvão, com a ajuda das elevadas e grossas muralhas de pedra se colocou fim às invasões francesas (comandadas por Napoleão) e espanholas.
Nessa mesma Sala da Guarda, um alçapão, com robustas grades de ferro e uma escada de corda, demonstra o antigo acesso ao espaço contíguo onde eram detidos os criminosos do passado. Entre os crimes cometidos, destacam-se pequenos roubos de alimentos — que serviriam para superar as dificuldades familiares.
Um dos detidos, Francisco Meio Tostão, deixou ali a sua assinatura. O grupo de turistas segue o vídeo até ao final e, embora alguns não tenham entendido a locução em português, parecem ter ficado entusiasmados com o conteúdo. Sem perder tempo, regressam às ruas amuralhadas para ver Marvão.
Um casal, na hora dos 60 anos, desce as ruas empedradas ao ritmo da música que eles próprios interpretam. O homem, com uma de gaita de boca (harmónica), impõe o ritmo, enquanto a mulher o acompanha com os versos de uma cantoria tradicional.
Os pescoços dos empregados de um restaurante, no Pelourinho, rodam e seguem o movimento descendente do casal pelas ruas de Marvão, sorrindo, agradados com os tons e sons que saem dos lábios daqueles visitantes.
Sigo, eu, em movimento inverso, em direcção ao Castelo de Marvão, para vislumbrar do ponto mais alto, a paisagem em toda a plenitude. Um belo e cuidado jardim, à entrada da fortaleza, confere o tom decorativo, assim como as dezenas de flores que brotam de vasos nas janelas marvanenses.
Mesmo que o meu conhecimento geográfico me atraiçoasse, não seria complicado identificar onde estava, pois o número de vezes que oiço falar espanhol é incontável.
Nada de surpreendente, pois de Marvão à fronteira com Espanha, serão cerca de dez quilómetros. Não só o sotaque espanhol interrompe o duo da harmónica, pois também os sotaques brasileiro, alemão, francês e inglês ecoam pelas (quase silenciosas) ruas desta vila alentejana do distrito de Portalegre.
Marvão é Alentejo, mas diferente…
Quase todas as casas de Marvão já foram recuperadas, mantendo o seu estilo tradicional, com ênfase nas fachadas e ornamentações. Uma das poucas excepções é numa das ruas principais, onde uma casa de enormes dimensões – com um beiral que se multiplica por várias camadas – parece prestes a ruir a qualquer momento.
Saberia mais tarde que a casa já havia sido comprada há algum tempo, por um espanhol, mas até esse momento sem sofrer qualquer intervenção arquitectónica. Mesmo que a imponência do prédio não o indiciasse, o beiral e pormenores exteriores confirmariam que esta casa pertenceu, no passado, a famílias abastadas.
Desconheço o motivo pelo qual a recuperação está sem fim (ou sequer início) à vista ou se se deve a atrasos no financiamento. Ou até na conclusão do projecto de licenciamento. Os rumores indicam que poderá transformar-se num museu ou em mais um hotel – talvez um hotel-museu?
Sei de locais onde o licenciamento é anulado, ou coimas elevadas são aplicadas, quando é ultrapassado um limite temporal sem que as obras tenham tido início. Talvez devesse ser esta a regra geral, pois prédios como estes e noutros locais do país não merecem esperar tanto tempo para recuperar a beleza que os caracterizam.
Aqui, a Norte, o Alentejo é diferente. Continua a ser simples, acolhedor, com a simpatia de quem me acolhe e me diz bom dia a cada cinco ou dez metros desta pedra de calçada que piso. Mas é diferente. O pão é diferente, menos denso, o clima distinto, o sotaque, porventura, menos evidente.
Envergonhado por visitar Marvão
Vergonhosamente, admito, que apenas este ano me estreei em Marvão. Durante vários anos, enquanto estudante, conduzi mensalmente mais de três mil quilómetros, no IP2, entre a Beira-Interior e o Baixo Alentejo, mas nunca tive oportunidade de me desviar para esta bela vila.
Sinto, agora, que devia tê-lo feito em mais do que uma ocasião. Mas lá diz esse ditado com barbas, que mais vale tarde…
Marvão contrasta também com o outro Alentejo, o “Baixo”, onde as longas e formosas planícies se estendem indefinidamente. Nesta região norte alentejana, os solos são menos áridos, mais produtivos e o clima é menos arrogante no Verão.
Por outras palavras, a paisagem é mais verde, mais acidentada e o clima mais ameno. Terão sido, aliás, estas algumas das razões que levaram os primeiros povos, no tempo do Paleolítico, a fixarem-se por aqui.
Marcas distintas deixaram, igualmente, os incêndios florestais, a que apenas as muralhas do castelo resistiram. O fogo devorou uma parte da flora das encostas, mas nem esta mancha negra condiciona o meu sentimento de admiração em relação a esta vila alentejana, que mesmo sem ser a minha vila, é parte do “meu” Alentejo.
Marvão é (agora) a vila mais bonita de Portygal. Afirmo-o com convicção, mesmo sabendo que não visitei (nem vou visitar) todas as lindas vilas do território nacional português. Mesmo que o fizesse, será que a minha opinião se ia alterar?
Será que noutra vila iria encontrar: beleza singular, paisagens encantadoras, vistas panorâmicas, comida tradicional de grande qualidade, povo gentil, histórias de batalhas e resistência, casas e ruas preservadas durante séculos e um Castelo de onde se alcança a Serra de São Mamede, a Serra da Gardunha e a Serra da Estrela?
Como poderia, se “daqui vê-se a Europa toda”.
Informação extra
O que visitar em Marvão
- Castelo de Marvão (aberto todos os dias das 10h às 17h)
- Casa da Cultura de Marvão
- Convento Nª. Srª. da Estrela
- Igreja do Espírito Santo
- Igreja de Santa Maria (Museu Municipal)
- Igreja de São Tiago
- Igreja do Calvário
- Sala da Guarda
- Cidade Romana de Ammaia
- Ponte Quinhentista (ou romana) da Portagem
- Lagar Museu
Restaurantes em Marvão (onde comer)
Se procura resposta à perguntar onde comer em Marvão, tenho a resposta para si. Dos vários restaurantes em Marvão, foram-me recomendados, pessoalmente, vários.
Houve, todavia, um que era ponto comum em todas as dicas que recebi: o Restaurante Sever, na localidade da Portagem. O restaurante faz parte da unidade hoteleira com o mesmo nome e fica numa localização perfeita, junto ao rio.
O restaurante apresenta um menu variado, com destaque para a Alhada de Cação com azeite, coentros e laranja (divinal). Os preços são acessíveis, as doses bem servidas e em alguns casos – como o javali estufado – suficientes para dois.
Nas entradas, não deixe de provar o bom queijo de Nisa e os cogumelos shitake. Também as sobremesas são excelentes – deliciei-me com a Encharcada de Nozes e as Barrigas de Freira – nenhuma destas guloseimas estava excessivamente doce.
A acompanhar todo este belo repasto, escolhi a saborosa cerveja local Barona e, refeição adentro, o vinho da casa, de Portalegre, do enólogo Rui Reguinga. Desconhecia este vinho, mas fiquei bastante agradado com a robustez e aromas do Rui Reguinga Reserva.
Se quiser algo dentro das muralhas, opte pelo restaurante Varanda do Alentejo. A comida é boa, sem ostentações, e da sala de refeições tem uma óptima vista sobre uma parte da vila de Marvão e a extensa paisagem.
Quando viajar para Marvão, se há algo com que não se precisa de preocupar é com a qualidade, variedade (e até quantidade) de restaurantes e dos menus gastronómicos.
Hotéis recomendados em Marvão
Escolhi e recomendo a Casa da Silveirinha, em Marvão, como um óptimo local para ficar alojado. Trata-se de um alojamento local, que ocupa uma casa tradicional da vila bem recuperada e decorada – e bastante acolhedora.
Além, disso o pequeno-almoço é bom, com sumos naturais, pão fresco, compotas, café e bolos locais a preencherem a mesa.
Se preferir ficar fora das muralhas do Castelo de Marvão, opte pelo moderno Sever Rio Hotel, que além de alojamento também possui um óptimo restaurante (ver abaixo).
Outros hotéis confortáveis em Marvão
- Tapada da Rabela – Reserva Natural (9.2)
- Casa de campo Casa da Árvore (9.2)
- Dom Dinis Marvão (9.8)
- Estalagem de Marvão – Casa de Campo (9.4)
- El-Rei Dom Manuel Hotel (9.2)
- Azeite de Marvão – Olivoturismo (9.4)
- Quinta d’Abegoa (9.3)
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Rita diz
Adorei a descrição. Ainda não estive em Marvão, mas adorei Monsaraz. Agora fiquei com vontade de conhecer e até já estou a planear a viagem! Obrigado pelas recomendações de restaurantes e hotéis
Jorge Duarte Estevão diz
Obrigado Rita. Tenho a certeza que vai adorar Marvão!
Rubens diz
Parabéns pela exemplar descrição de Marvão com suas dicas de visitas, hospedagem e alimentacão. Após a pandemia irei a Portugal (sou brasileiro) e irei conhecer Marvão. Ano passado conheci Monsanto e Sortelha q também são muito bonitos. Valeu pelas dicas?
Jorge Duarte Estevão diz
Obrigado Rubens, pelo comentário simpático 🙂 Marvão é, de facto, estupendo, tal como Monsanto e Sortelha. São zonas menos conhecidas de Portugal, mas que valem bem a pena. Espero que a pandemia passe depressa para poder fazer a viagem… e todos podermos viajar, de novo!