Bienvenidos a Guatemala, exulta uma enorme placa azul ao lado da bandeira também azulada da Guatemala. Preparo-me para atravessar a fronteira, em La Mesilla, vindo de San Cristóbal de las Casas, no estado de Chiapas, no México, e sigo para o meu primeiro destino guatemalteco: o Lago Atitlán.
Qualquer fronteira terrestre que se preze é confusa, burocrática, mas na América Central, a confusão é elevada a caos, a burocracia suprimida com repetidos pedidos de esclarecimentos e com saltos de balcão para balcão do posto fronteiriço. “Paso de mercancia”, diz a placa ferrugenta em letras pretas, “Turismo” diz a outra e “Migración”, diz uma terceira.
Nas ruas, nada de incomum, uma terra feia (ou apenas um aglomerado de casas), com cimento à mostra, sem tinta, sem cor, nem graça. Autocarros esperam na fila para atravessar, vários passageiros saltam para trocar dinheiro nas dezenas de postos móveis de câmbio.
Vejo uma placa de publicidade a uma das casas de câmbio mais conhecidas do mundo, mas nem sinal do escritório. Aqui, basta um homem ou mulher, duas mãos e três molhos de notas. Um molho no bolso, um na bolsa à cintura e o terceiro na mão.
A taxa de câmbio do peso mexicano para o quetzal é tão volátil como o tempo no Lago Atitlán. E encontrar uma taxa de conversão em La Mesilla é tão fácil como avistar um quetzal – a bonita ave da Guatemala. Numa palavra: impossível.
Na longa rua, barracas de um lado e outro com comércio variado chamam os clientes. A rua está repleta de pessoas em frenético movimento.
“Cocteles”, anuncia um vendedor numa banca improvisada num triciclo, conduzida por uma criança de 8 ou 9 anos que pedala com vigor à procura do próximo cliente. “Venta de ropa americana clasificada”, apregoa uma placa amarelada presa sob um rudimentar telhado de zinco e alumínio.
“Nunca viajes de noite na Guatemala”
As ruas de La Mesilla estão sujas, com plásticos, muitos plásticos: sacos, palhinhas, garrafas de água e algum vidro: garrafas de coca-cola, pois claro, ou não fossem México e Guatemala movidos pela adocicada bebida norte-americana.
A própria passagem de nível que simboliza o atravessamento da fronteira – talvez uma passagem antiga – com sinal vermelho ALTO (Stop) serve agora para uma lojista pendurar manequins com camisetas, saias e outros acessórios de moda.
O contraste é fenomenal com a bonita e imaculada cidade de San Cristóbal de las Casas, de onde parti há cerca de quatro horas. Apresso-me pois, a partir e deixar La Mesilla para trás. Restam-me pelo menos seis horas de viagem até Panajachel, uma localidade nas margens do Lago Atitlán.
Dois dos conselhos que me deram antes de entrar neste país da América Latina foram os seguintes: nunca viajes de noite na Guatemala e não entres na Cidade da Guatemala. Ora, o primeiro aviso justifica-se com o facto das ruas e caminhos serem mal iluminados, de haver por vezes raptos e assaltos, ou seja, insegurança.
O segundo aviso, praticamente pelas mesmas razões, já que a Cidade da Guatemala é notoriamente famosa pelo elevado nível de criminalidade – tiroteios e assassinatos regulares.
Mas, que melhor forma de testar estes avisos senão fazer precisamente o oposto. Viajar de noite na Guatemala e entrar na Cidade da Guatemala. Em ambos os caso, tal aconteceu por acidente ou imprudência.
Assim, alguns dias depois, iria entrar na Cidade da Guatemala e sem GPS, mas com mapa na mão, encontrar a saída era uma tarefa hercúlea, pois os nomes das ruas repetem-se em várias zonas da capital guatemalteca, tornando-se impossível saber onde se está.
“Se não sabes para onde queres ir, qualquer caminho serve”, mas nós, eu, a Ana e o António, sabíamos para onde queríamos ir, só faltava saber como. A resposta foi dada por uma escolta policial armada até à saída da Cidade da Guatemala.
Já sobre o aviso para não conduzir de noite, não precisámos de vários dias para o ignorar, pois isso aconteceu logo no primeiro dia – poucas horas depois de atravessar a fronteira em La Mesilla.
Tudo ajudou a que isso acontecesse, incluindo demoradas burocracias na fronteira – extrapoladas pelo facto de se atravessar com um veículo – o tempo chuvoso, as estradas acidentadas e um volume de tráfego digno de qualquer grande metrópole.
Tudo se alinha à chegada a Panajachel
Após a chegada tardia a Panajachel – a minha base para explorar o Lago Atitlán – descubro algo de melancólico nesta terra, onde os jardins dos hotéis são cuidados e as ruas apresentam ambiente relaxado.
Em Panajachel, os barcos alinham-se na perfeição no cais à espera de clientes para passear no Lago Atitlán e admirar os vulcões – Atitlán, San Pedro e Tolimán, este último ainda considerado activo.
Cercado por montanhas, o Lago Atitlán terá sido formado por uma violenta erupção há milhares de anos. San Marcos la Laguna, San Pedro La Laguna, San Juan La Laguna e Santiago Atitlán são alguns dos locais de referência para quem visita esta região da Guatemala.
De manhã cedo, desloco-me até ao cais para uma dura negociação: um passeio de barco para todo o dia para visitar várias das povoações em redor do lago. Não me recordo de quanto paguei, mas sei que reduzir o preço não foi fácil.
Embora pudesse visitar essas povoações por terra, estava cansado de horas a fio dentro do carro e, diga-se, de um barco a perspectiva é bem mais interessante quando se visita um lago.
Mal vejo um dos vulcões ao longe, o nevoeiro é intenso e a paisagem esconde-se. Vamos em silêncio – ou quase – não fosse o ruído do motor. Desembarcamos, primeiro, em San Juan de La Laguna, onde um tuk-tuk pintado com as cores do Barcelona nos leva rua acima – a Catalã, que saberia mais tarde, faria todo o sentido.
San Juan é um dos locais onde habitam as tecedeiras Tz’utujil – apenas um entre os mais de 20 grupos étnicos Maia da Guatemala. A atracção da terra – para os turistas – é observar as tecedeiras que se uniram e formaram uma associação ou cooperativa têxtil em San Juan de La Laguna. Bordados de güipiles, toalhas, colchas de cama e outros acessórios são fabricados por estas mulheres, num trabalho repetitivo e lento.
Converso com uma mulher, talvez com 60 anos e dentes de ouro, enquanto estica um fio de algodão e depois o enrola com ajuda de uma máquina. Ao lado, em fila de espera, três pedaços de algodão colorido: laranja, cinzento e castanho. Serão mais tarde transformados em novelos.
Um pouco mais à frente, demoro-me a ouvir a explicação de um mini-produtor de café – um dos produtos de qualidade da Guatemala. Os frutos do café, amadurecidos, repousam no exterior da sua habitação onde secam ao sol.
O cheiro é intenso, não dos frutos mas dos grãos já moídos e prontos a servir numa pequena chávena. Tudo faz parte do pacote para o turista, claro, e é impossível resistir. O sonho comanda a vida, aqui o olfacto comanda o desejo.
Decisão arriscada em Santiago Atitlán
Várias pequenas localidades proliferam ao redor do Lago Atitlán, como Tzampetey, Santa Catarina Palopó, San Antonio Palopó, San Pablo La Laguna, San Lucas Tolimán e Santiago Atitlán – para onde me dirijo.
Santiago Atitlán é uma pequena aldeia igual a tantas outras na Guatemala. Casas que trepam umas pelas outros, formadas por paredes de tijolos, telhados de zinco e sem cor. Uma terra que, no meio do Lago Atitlán, talvez nada de novo ou atractivo me ofereça.
No entanto, foi a ausência de motivos óbvios, de pontos de interesse, de atracções turísticas genuínas (ou inventadas) que me suscitou a curiosidade. Digo ao “capitão” do barco com quem negociei o passeio, que se é esse o caso (não tem atracções) então vamos lá.
Arrisco descobrir e ficar fascinado (ou frustrado) com esta pequena povoação. Santiago Atitlán é (quase o ano inteiro) uma aldeia fantasma. No entanto, estamos na Semana Santa e não há local no México ou Guatemala que assista impávido a este período.
Num terraço, um velho sofá aponta para o lago. Talvez sirva de quarto ou, quem sabe, de esplanada. Uns metros acima, um sinal verde avisa: “Prohibida La Venta Y consumo de drogas”, enquanto um jovem, ao lado, fuma algo que não é, pelo cheiro, um cigarro.
Pela rua íngreme de Santiago Atitlán, multiplicam-se lojinhas e bancas com tecidos: panos, sacolas, chapéus, camisas e calças. Estes têxteis têm um denominador comum: são compostos por uma multiplicidade de padrões e cores.
Com bastante menos cor, mas a mesma simbologia, as calças e calções listados que todos os homens vestem neste dia. Linhas verticais pretas, azuis ou de qualquer outro tom. Calções ou calças de tecido branco, que por sua vez são apertados à cintura por cintos coloridos – uma forma semelhante ao que os forcados utilizam nas touradas.
Os homens, de chapéu de palha na cabeça, juntam-se em grupos e conversam nos degraus exteriores das casas, enquanto outros grupos estão “estacionados” à porta do restaurante local de frango frito e não tiram os olhos da televisão. É fim-de-semana, dia de futebol e há um clássico: Barcelona – Real Madrid. Não fico para assistir, porque alguém espera por mim… ou eu por ele.
Aí vem Maximón, o santo mais louco do Lago Atitlán
Várias mulheres sobem para uma carrinha de caixa aberta e aí vão viajar de pé, sabe-se lá quanto tempo, de regresso a casa. É uma imagem comum nas estradas da Guatemala, onde até aí vi uma mulher a amamentar o filho em andamento.
Na praça central de Santiago Atitlán, centenas esperam ansiosamente pela chegada de Maximón – o santo. E ao fundo já se ouvem os primeiros sons da procissão, gritos e cânticos. Maximón, ou San Simón, é uma divindade Maia e santo popular representado de várias formas pelos povos Maias na Guatemala. Todavia, Maximón está vivo, pois move-se de lugar para lugar a cada ano.
Ao centro um boneco folião, com um chapéu preto na cabeça, charuto na boca e coberto por vários tecidos coloridos que deslizam sobre o tronco. Maximón, é ladeado, de um lado, por homens que carregam cestos com oferendas e do outro, por gente que transporta, o que aparenta ser, enormes broas de milho.
Maximón, é um importante santo folclórico Maia representado por uma efígie de madeira vestida e que, ao contrário de outros santos, é um porreiraço: fuma charutos, dança e bebe álcool.
Os visitantes locais viajam de todo o lado para pedir protecção, dinheiro, encontrarem curas para doenças e até um esposo ou esposa. Maximón recebe todos da mesma forma – homens, mulheres, aldeões ou empresários – e todos trazem ofertas, incluindo, claro, tabaco, álcool, dinheiro ou tortillas.
Olho em redor e não vejo qualquer outro turista estrangeiro no horizonte. Afinal, o capitão da minha embarcação estava certo e errado ao mesmo tempo. Acertou que Santiago não é turístico, mas enganou-se quando disse que não havia nada para fazer.
Resta, agora voltar a Panajachel, admirar um belo pôr-do-sol no Lago Atitlán, saboreando uma cerveja guatemalteca Gallo. Com a benção de Maximón, pois claro.
Informação extra
Visto para a Guatemala
Os cidadãos portugueses estão isentos de visto – até 90 dias – para viajar para a Guatemala, mas é necessário ter passaporte válido por mais de seis meses à saída do país.
À chegada e partida é necessário preencher o formulário migratório, distribuído pelas companhias aéreas e disponível também nos postos fronteiriços.
Quando visitar o Lago Atitlán
Embora se possa visitar em qualquer altura do ano, a melhor época para visitar o Lago Atitlán é logo após a temporada de Inverno, ou seja, a partir do final de Outubro. O Verão, com tempo quente e seco, dura desde o início de Novembro até ao final de Maio.
O Inverno começa em meados de Abril e termina em meados e final de Outubro, caracterizando-se por chuvas fortes durante a tarde e noites frias. Em muitos locais, evitar épocas festivas é aconselhável, mas a Guatemala – e o Lago Atitlán – são ainda mais mágicos durante a Semana Santa e Páscoa.
Como chegar ao Lago Atitlán
Sem voos directos de Portugal para a Guatemala, resta voar com a Iberia para a Cidade da Guatemala, com uma escala em Madrid, com preços a rondar os 800€ ou com a KLM, com paragens curtas em Amesterdão e Cidade do Panamá e, por vezes, é possível encontrar voos por pouco mais de 400€.
Dado que a maioria (ou todos) os autocarros que ligam a Cidade da Guatemala ao Lago Atitlán (Panajachel) passam por Antigua Guatemala, recomendo que fique por lá uns dias para explorar a bonita cidade e a região em redor do vulcão Pacaya – leia as minhas aventuras por Antigua e a subida ao vulcão.
A viagem entre a Cidade da Guatemala e Antigua demora cerca de uma hora, enquanto o percurso entre Antigua e o Lago Atitlán pode ser feito em cerca de três horas. Basta perguntar em qualquer agência local para comprar os bilhetes.
Hotel no Lago Atitlán
Panajachel é a cidade principal que circunda o Lago Atitlán, servindo de base para quem quer conhecer o que a região tem para oferecer. Eu optei por ficar em Panajachel e explorar o lago a partir daí. Estes são alguns hotéis que pode ter em conta para a sua viagem.
Panajachel
Em Panajachel, opte pelo Hotel Utz Jay. Os jardins são bonitos, o pequeno-almoço é saboroso e pode relaxar na banheira de hidromassagem e uma sauna de estilo maia, com ervas aromáticas. Os preços começam em 40€.
O hostel Selina Atitlan tem um óptimo carácter – sobretudo se optar pelos espaçosos quartos duplos com casa de banho privativa – e é um dos alojamentos favoritos em Panajachel. As tarifas para quarto duplo rondam os 45€.
Ainda nesta localidade, Villas Jucanya tem um excelente terraço com vista para o lago, decoração tradicional e cozinha equipada com forno, micro-ondas e churrasco.
Santa Cruz La Laguna
Situada em Santa Cruz La Laguna, a Casa Kaktus dispõe de alojamento com Wi-fi e bonitas vistas para o Lago Atitlán. Pode tomar o pequeno-almoço – que até pode ser vegetariano – na varanda e relaxar no jardim. Os preços começam em 32€.
Ainda em Santa Cruz La Laguna, o Hotel y Café La Casa del Mundo é uma das melhores opções na zona, com internet grátis, restaurante e área de praia privativa no lago. Alguns dos quartos também oferecem vistas deslumbrantes do Lago Atitlán. O preço por noite começa em 50€.
San Pedro La Laguna
Se preferir um hotel em San Pedro La Laguna, um dos favoritos é o HogarAtitlan. Trata-se de uma casa de férias moderna, com cozinha equipada, jardim, zona para churrasco e internet grátis. A casa, com capacidade para seis pessoas, custa cerca de 40€ por noite.
Santiago Atitlán
Em Santiago Atitlán, se quiser algo com mais requinte, o Hotel y Restaurante Bambu é uma propriedade recatada de estilo tropical, com piscina, vista para o lago e aluguer gratuito de caiaques.
São Marcos La Laguna
Por fim, em São Marcos La Laguna, a opção de destaque é a Anzan House, uma unidade com restaurante, vista para as montanhas, vulcões e lago e internet sem custos. Pode tomar o pequeno-almoço no exterior e participar em várias actividades, como yoga, massagem ou caminhadas.
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