Saboreio um peixe fresco – cuidadosamente cozinhado pela minha família de acolhimento – na casa particular onde estou hospedado em Viñales, a curta distância do Vale de Viñales. Pensaria neste peixe no dia seguinte, por várias vezes, enquanto visitava o Cayo Jutías. Um sargo, suficiente para dois, satisfaz o meu estômago exigente – e é servido com arroz e feijão, claro.
Apesar da minha insistência para partilharem esta refeição, Bladimir e a família preferem deixar-me à vontade. Conversamos depois da refeição, sobre a sua vida anterior e sobre o futuro de Cuba. Sobre o passado, reconhece não ter muitas saudades de quando trabalhava para o governo e recebia um salário miserável – pouco mais de 25€ mensais.
Com a recepção de turistas em sua casa, Bladimir e a família têm uma melhor qualidade de vida. Em relação ao futuro, é cauteloso e prefere esperar para ver, mas confia no partido (comunista) para resolver os problemas do país. E até falamos do seu nome – Bladimir – que confessa, foi influência das ligações entre Cuba e a Rússia, no passado.
Em muitos destinos, opto por alugar um carro. Sei que isso encarece a viagem, mas é o preço a pagar pela liberdade de poder parar quando e onde me apetece. De me perder e de encontrar locais fascinantes ao acaso, de poder estar lá ou nascer e ao pôr-do-sol. Em Cuba, porém, depois de ler sobre o assunto achei que era prudente deixar o destino nas mãos de outros.
Porque as estradas estão em péssimo estado, a sinalização é invisível, os obstáculos são imensos (buracos, cães, vacas, pessoas) e um mapa de pouco serviria. Um condutor local saberá, sempre, melhor que caminhos percorrer.
O avançado estado de deterioração das estradas cubanas, ficou patente, de uma forma mais evidente que nunca, num passeio até ao Cayo Jutías, uma zona de praia muito bonita, mas que requer esforço para lá chegar desde Viñales.
Uma praia com beleza equivalente a Varadero, com piores acessos, mas sem gigantescos hotéis a estragar a paisagem. O caminho foi mais ou menos isto: ora buracos na estrada, ora estrada de terra, ora estrada com muito pouco alcatrão e…muitos buracos.
À boleia do ditador até Cayo Jutías
O percurso pela estrada faz-se em ziguezagues repentinos, numa avalanche de movimentos para evitar caminhantes ou bicicletas que circulam com um amontado de cebolas e alhos e onde mal se vê a face de quem pedala.
Estes circulam para distribuir estes e outros produtos essenciais pela região de Piñar del Rio. Outras vezes, o condutor trava e dá uma guinada no volante para evitar deixar uma parte da roda num dos muitos buracos (ou crateras) da estrada.
Os condutores dos carros típicos em Cuba – com 40, 50, 60 anos – que seguem à nossa frente (e atrás) repetem o mesmo gesto para evitar os buracos. Assim como os autocarros ou camiões transformados em transporte de passageiros, onde cabem 20, 30 ou 40 pessoas.
Uma espécie de transporte de gado…humano. Destes só vejo os seus olhos, através de uma faixa lateral na galera do camião.
É como se todos viajassem com uma venda. Consigo apenas imaginar o calor e desconforto que devem ali sentir, em viagens que podem durar três, quatro ou mais horas. No mapa, as distâncias até podem ser curtas, mas em Cuba transformam-se em longas e penosas jornadas.
Vale-me que viajei para o Cayo Jutías, um pedaço de paraíso cubano, num carro presidencial. Sim, foi pelo menos isso que me garantiu o dono do robusto automóvel azul escuro onde viajava. Um clássico entre os inúmeros carros clássicos de Cuba.
Largo, possante, com volante de couro e bancos de pele. “Este carrro já pertenceu a Fulgencio Batista”, diz-me o homem que o conduz.
É-me impossível verificar a veracidade dessa afirmação, mas de qualquer modo não me parece que seja motivo para orgulho viajar no (alegado) carro de um ditador. Fulgencio Batista governou Cuba, durante largos anos, através de um governo autoritário, com o apoio dos EUA, até ter sido derrubado do poder pela revolução incitada por Fidel Castro e Che Guevara.
À semelhança dos sinais de trânsito ou da sua inexistência, também os postos de gasolina são uma miragem e aparecem em qualquer lugar – mas apenas para quem sabe onde estão – nas traseiras de uma casa, no quintal de um conhecido, numa rua escondida.
Basicamente, improvisa-se para manter o depósito cheio. Mais à frente outra paragem, desta vez para meter um pouco de óleo no motor e despejar água em cima do capot, para arrefecer.
Mesmo com poucos acessos e demorando mais de uma hora para chegar à praia de Cayo Jutías, desde Viñales, continuam a chegar turistas e abre-se a caça à palhota e a um lugar que forneça sombra.
Além do mergulho no mar, em Cayo Jutías, a principal actividade é entrar num barco a motor para visitar uma zona de coral, onde se pode observar fauna e flora marinha.
Amor, Fidel, Trump e Hitler
Já me tinham avisado que a comida no Cayo Jutías era péssima – e comprovo agora que eram fundamentadas essas opiniões. A qualidade é atroz e, por isso, do almoço a única coisa que se aproveitou foi a…cerveja.
No “rei do peixe assado”, o peixe esgotou (ou assim o dizem) e sobra uma mistura de massa com peixe e arroz, sem sabor, mal cozinhada e com aspecto ainda menos apetecível. Tento uma garfada, mas para evitar males maiores, decido abdicar da refeição.
Peço a conta e saio sem pestanejar. Felizmente, tinha comigo uns snacks que seriam suficientes até ao final da tarde.
Alheio a toda essa aventura culinária cubana, o casal de namorados – que partilhou o táxi comigo – continua irradiado de paixão, a posar e tirar fotos no mar. Provavelmente para enviar para o Instagram. Um pouco mais à frente, crianças alegres correm para a água, enquanto os pais preparam um churrasco à moda cubana, sempre com arroz e frijoles (feijão).
Depois do meu almoço frustrado, o meu estômago dá sinal de fraqueza e até sonho com uma porção deste repasto. Sou interrompido neste sonho por uma rapariga argentina que procura o namorado. Descreve-me o seu aspecto e o que levava consigo. “Lo siento, no lo he visto”, respondo-lhe e desejo-lhe boa sorte.
Ao mesmo tempo, um caranguejo passeia a casa às costas, dois homens locais discutem política e os nomes de Fidel e Trump sobressaem várias vezes na conversa. O debate está aceso e nem um mergulho é suficiente para baixar a temperatura, nas águas temperadas de Cayo Jutías.
O nome de Trump serviria também para lançar piadas na direcção daquele casal de namorados, do México, que viajava neste grupo que partiu de Viñales: “Já começou a construção do muro?”, atira um alemão para os mexicanos, em jeito de brincadeira. Todos rimos e ninguém fica ofendido.
O mesmo homem germânico parece, segundos depois, surpreendido quando um norueguês lhe diz que conhece Nuremberga, a cidade de onde o alemão é oriundo. “Conheço dos livros de história!”, e todos soltam uma gargalhada.
Nuremberga está ligada aos crimes do nacional-socialismo alemão e a Hitler, pois era aqui que o Fuhrer fazia os discursos inflamados para largas congregações de fiéis do regime nazi.
Quando o mundo se torna pequeno em Havana
Quando se diz que o mundo é pequeno, até poderá parecer uma expressão demasiado usada e vaga. No entanto, nunca como no último dia da minha viagem em Cuba faria tanto sentido. Depois de muito caminhar e explorar a fantástica cidade de Havana por vários dias, precisava de encontrar um local para almoçar antes de partir para o aeroporto José Martí.
Cansado de arroz e feijão, decidi-me por uma pizzaria na zona velha da cidade. Ao terminar a refeição, dirigia-me para a saída, e quase me assustei quando ouvi alguém chamar em espanhol:
– “XOR:xeh, XOR:xeh, Jorge, Jorge”.
Mais por impulso do que convicção, olhei para o lado e ali estavam Bladimir e a sua esposa, também a deliciarem-se com uma óptima pizza.
Talvez pergunte a um matemático qual a probabilidade de eu encontrar na mesma cidade, no mesmo restaurante, à mesma hora, estas duas pessoas que tinha conhecido semanas antes em Viñales?
E para tornar esta situação ainda mais incomum, um dado extra: vir a esta pizzaria partiu de uma recomendação de uma professora do Canadá – que até falava um pouco de português – que conheci no táxi que partilhei numa longa viagem desde Trinidad até Havana. (Felizes) coincidências cubanas?
Informação extra
Como chegar a Viñales
Não existe transporte público para o Cayo Jutías. Para chegar ao Cayo Jutías, deve primeiro viajar para Viñales e daí apanhar um táxi individual, ou um colectivo, organizado através da casa particular onde estiver alojado. Não se preocupe, pois o sistema de organização deste tipo de passeios funciona bem.
De autocarro, utilizando os serviço da transportadora Viazul pode viajar desde Varadero ou Havana para Viñales. Pode adquirir os bilhetes online e a viagem demora cerca de 3h30 desde a capital e quatro horas desde as praias de Varadero. O custo é de 12 dólares (2018).
Outro modo de viajar para Viñales é de táxi. Se ficar, como eu, numa casa particular pergunte ao seu anfitrião que este irá, de certeza ajudá-lo, a encontrar um lugar para efectuar a viagem. Pode fazê-lo de modo individual (mais caro) ou num “colectivo”, mais barato e recomendado.
Viajei sempre desta forma em Cuba, nunca tive qualquer problema e ainda conheci outros companheiros de viagem. Por exemplo, viajei num colectivo de Havana para Viñales e depois de Viñales para Trinidad.
O preço varia em função do número de pessoas que partilhem o transporte, mas em muitos casos é mais barato que o autocarro.
A Air Europa e Iberia voam de Lisboa para Havana, com paragem em Madrid. Use o Skyscanner para comparar os preços dos voos para a altura que desejar. É uma das plataformas que uso e recomendo.
Restaurantes no Cayo Jutías
Como referi acima, na minha viagem ao Cayo Jutías, a comida aí oferecida é péssima. Não caia no mesmo erro que eu e, se viajar para um dia de praia, o que recomendo, compre alguma comida em Viñales ou peça aos seu anfitriões para lhe prepararem uma merenda.
Em Viñales, não terá grandes problemas, pois já existe alguma variedade de restaurantes. Um dos que recomendo é o Paladar La Cuenca. A comida é boa e o ambiente acolhedor e moderno. O preço não é dos mais baratos em Cuba, mas como serve comida internacional terá de pagar pela comodidade.
Hotel no Cayo Jutías
Não existe alojamento no Cayo Jutías, pelo que terá de ficar alojado noutro lugar. Viñales tem uma panóplia enorme de locais para dormir. Pode usar o Booking para pesquisar o seu favorito. Eu recomendo vivamente a Casa Paez.
Os proprietários são muito simpáticos, o quarto confortável e as refeições são óptimas. Se ficar aí hospedado não se vai arrepender.
Seguro de viagem
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Organizo e lidero viagens em grupo para destinos que conheço bem. E só faço viagens com pequenos grupos (máximo de 12 pessoas).
Já estive em 60 países, por isso se tiver uma viagem em mente com um grupo de amigos, familiares ou colegas de trabalho, contacte-me e terei todo o prazer em planear, organizar e liderar a viagem que deseja. O roteiro poderá ser desenhado à medida, assim como o orçamento e actividades.
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Pedro Batista diz
Parabéns pelo artigo!
Juntamente com a esposa, um filho de 8 anos e uma filha de 11, passei viajei pelos belos locais descritos. Viajamos nesses camiones, e não passamos assim tão mal… E conhecemos muita gente boa!
É uma experiência muito enriquecedora. Aconselho vivamente Cuba!!!
Jorge Duarte Estevão diz
Olá Pedro. É esse o espírito que também partilho, fazer das viagens uma aventura e trazer umas belas histórias ? E Cuba é dos melhores lugares para isso!