“Nas noites frias é comum avistar-se a aurora boreal”, diz-me Juha, o meu anfitrião, à chegada ao norte da Finlândia. Na manhã em que aterro no aeroporto de Ivalo, no coração da Lapónia finlandesa, o céu está envolto numa densa manta nublosa.
Começo a duvidar que, nessa noite, tenha a mínima possibilidade de avistar seja o que for e muito menos as Luzes do Norte. Durante anos alimentei este desejo de assistir a este espectáculo ao vivo, tendo considerado vários outros locais para o fazer, da Suécia à Noruega ou Canadá.
Inari, na Finlândia, é um dos últimos povoados antes de chegarmos ao mar e como que indica o caminho para o Polo Norte, roçando a fronteira com a Noruega e a Rússia. Entro no Círculo Polar Ártico, uma das localizações predilectas para poder apreciar a aurora boreal no máximo esplendor.
Juha, o meu anfitrião de etnia sami, e a família recebem-me de braços abertos. Fico hospedado numa das cabanas de madeira. De tez branca e faces rosadas, Juha fala inglês fluente e vive com a família nesta zona remota da Lapónia.
Diz-me que tem carne de rena para vender e de imediato imagino o aroma intenso de uma iguaria que o meu paladar ainda não sentiu, enquanto vejo lá fora o fumo da chaminé resultante da lenha de pinheiro que arde e invade os céus da Lapónia.
Niklas, um amigo jornalista na televisão nacional da Finlândia, aconselhou-me a marcar viagem para Novembro, quando a neve já chegou, o tempo é frio mas estável e o céu está, regularmente, limpo. Nada nos prepara, no entanto, para os momentos de espera, de ansiedade, de expectativa.
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Surrealismo ou realismo na Lapónia?
Já estive em vários países do Leste e Norte da Europa, mas é na Finlândia – ou na Lapónia para ser mais exacto – que encontro, porventura, a mais bela, sedutora e atraente paisagem invernal. Ocorre-me este pensamento sobretudo quando deslizo a grande velocidade pela floresta, a bordo de um trenó puxado por vários huskies – cães que são mais que puramente animais de companhia. No entanto, esta paisagem divinal convida a viajar de modo lento e a apreciar todos os detalhes.
Nas florestas e bosques, árvores e arbustos parecem ter sido plantados com auxílio de régua e esquadro, num alinhamento perfeito. A ténue luz solar realça o branco imaculado da neve nas suas copas, nos seus braços abertos, nos seus troncos expostos.
Linhas naturais, cores neutras, mas envolventes, como se um genial pintor aqui tivesse montado o seu atelier durante várias décadas e, com um pincel gigante, fosse capaz de criar este cenário idílico.
A intervenção do homem resume-se a pouco mais do que uma ou outra cabana de madeira dispersa a cada dezena de quilómetros. Na estrada principal, contam-se pelos dedos – de uma só mão – os carros que encontro pelo caminho.
Todos, com correntes de neve, ou como eu, com pneus especiais para conduzir em estradas onde se sente o gelo e nem se vislumbra o alcatrão. Não há excepções, todos os veículos seguem com os faróis acesos, porém as luzes que procuro são outras e chegam de cima. São as luzes mágicas da Aurora Boreal.
Da sauna para o lago gelado
Estamos em Novembro e o sol, de fraca intensidade, não sobe além da linha do horizonte. Os dias têm pouco mais de quatro horas de luz solar, um pormenor apenas, pois é durante a noite que a caça à aurora boreal se intensifica. Lá fora, a escuridão é plena, enquanto o céu – anteriormente coberto de nuvens – se abre para um infinito horizonte estrelado.
Ouvi e li inúmeras histórias de outros viajantes que percorreram dezenas de quilómetros por noite em busca das luzes do norte, mas decido aguardar o espectáculo no chalet. Isolado de qualquer povoação ou poluição luminosa, resguardo-me dos quase 17 ou 18 graus negativos do exterior.
Procuro o conforto entre o calor reconfortante da lareira, de uma sauna finlandesa, um copo de tinto e a conversa entre amigos.
O chalet onde estou hospedado é perfeito. Está num local remoto e a poucos metros de distância encontra-se um lago – um apenas entre as centenas que existem na Finlândia. Está congelado e até se pode por lá caminhar. O frio é imenso, não há lua, a noite está escura e o céu está limpo. Falta “somente” o que aqui me trouxe: a Aurora Boreal. Um local excelente para ir de férias no Inverno.
Estabelecemos uma regra: sair à rua (ou ao lago) em turnos rotativos de 15 minutos, para ter a certeza de que as luzes do norte não nos passam ao lado ou por cima. O Zé, amigo de longa data que viaja comigo, é o primeiro a espiar os céus.
Chamar-me-ia pouco depois, perto das 23h, entre um sentimento de dúvida e de emoção. Depois de fintar o início de céu nublado, temperaturas a rondarem os 17 graus negativos e até um falso alarme de avistamento da aurora boreal, o bailado começa enfim.
O ângulo de visão é vasto. A aurora boreal avança sem aviso prévio. A luz verde, brilhante e intensa como uma máscara suave no céu estrelado. Quase faz corar de vergonha a Ursa Menor – ou talvez a faça sorrir.
A nós, garanto que nos faz sorrir e o sorriso só não é maior porque temos a cara congelada do frio. Apenas o disparo das máquinas fotográficas e alguns passos na neve quebram o ritmo e o silêncio de um bailado de cor magistral na noite negra e gelada do Círculo Polar Ártico.
Pasmados, observamos o fenómeno durante os 15 minutos em que se desenrola. Voltaria (e nós também) ainda nessa noite e na seguinte a iluminar o lago gelado e a nossa alma.
Renas: de Hollywood à mesa do restaurante
Não tarda muito até ser “forçado” a encostar na berma da estrada, com vista para um extenso lago – congelado, claro. O que vejo vai de encontro aos avisos que li sobre as precauções de condução nesta região da Lapónia.
As renas têm prioridade sobre (quase) tudo e surgem inesperadamente de uma curva ou da orla da floresta. Atravessam várias dezenas ou centenas de metros cúbicos de água – agora em forma de gelo e neve. Estes animais são face, corpo e alma de toda a Lapónia. Da paisagem ao prato. No passado, presente e, muito provavelmente, futuro. E são a base de subsistência de muitas famílias.
Empoladas por Hollywood e pelas fábulas natalícias, as renas ganharam uma auréola fantasista e mítica. Desde a pele para artefactos, casacos, luvas ou outra roupa – como as botas de pele feitas à mão pela mãe de Juha – até à carne para os mais variados preparados culinários. “Basta colocar a carne da rena no tacho com um pouco de sal e manteiga e uns minutos depois está pronta”, revela o meu anfitrião.
Mais tarde seguiria o seu conselho, mas também descobriria como é difícil distinguir nas prateleiras do supermercado de Inari entre manteiga e queijo – a não ser que se perceba finlandês. Numa visita à enorme arca frigorífica, que Juha construiu na sua quinta, explica-me que tudo se aproveita numa rena, incluindo ossos e hastes.
Enquanto Juha fala, tenho dificuldade em perceber se estará mais frio no interior da arca frigorífica ou no exterior – parece-me que o exterior ganha com larga vantagem.
Há também uma iguaria de luxo, a carne fumada. O preço está marcado: €105 por quilo. O processo demora cerca de um mês, até toda a água ter sido extraída e a secagem estar completa. Arrisco comprar 100 gramas. O paladar é forte, mas saboroso. Porventura mais intenso do que o da carne de veado ou de borrego.
Ao longo da minha estadia, a rena estaria na ementa em 80 por cento das refeições, incluindo pizza de rena num dos poucos restaurantes de Inari. Não se preocupe, nos menus, existe a garantia de que não se tratava da rena Rodolfo, nem nenhum dos seus inseparáveis companheiros de viagem.
Todos vamos continuar a receber, como sempre, os presentes distribuídos com a ajuda das renas do Pai Natal.
Aurora Boreal em terras de nómadas do Ártico
O meu anfitrião é de etnia sami. Os sami, ou lapões, são um povo nativo – de cerca de 80 mil pessoas – da região norte da Europa e que abrange a Finlândia, Suécia, Noruega e algumas áreas da Rússia. A caça, a pesca e criação de renas sempre foram, desde a sua origem, as principais actividades.
As línguas sami são indecifráveis para qualquer viajante estrangeiro e nem mesmo entre os próprios lapões são totalmente compreendias.
Unidos, os lapões conseguiram que a sua influência e importância fosse reconhecida pelos vários países por onde se distribuem, com a criação de parlamentos próprios e a celebração transnacional do Dia Nacional, a 6 de fevereiro. Na Finlândia, o parlamento sami é constituído por 21 deputados.
Os sami são inteiramente dependentes das deslocações das renas que, no Verão do mítico sol da meia-noite, partem em busca das melhores pastagens. Nos meses de Verão, as crias, agora já adultas, haviam sido marcadas na pele pela lâmina de uma faca, um ritual que permite aos pastores sami reconhecer os seus animais na altura da separação.
Quando chega o Outono, é tempo de reuni-las com a ajuda de moto-quatro, trenós ou motas de neve. O trabalho de separação das renas, pelos respectivos proprietários, pode demorar entre quatro e oito horas, estendendo-se em algumas situações até de madrugada.
O reconhecimento é efectuado numa espécie de estábulo circular, ou arena, partilhado por dezenas de animais selvagens de hastes afiadas e homens, mulheres e adolescentes, que avançam sem medo ao encontro das hastes para agarrar cada rena.
A meu lado, a assistir a este espectáculo único, apenas mais duas turistas, com sotaque polaco, de saltos altos, claramente desconfortáveis no manto de neve e no frio polar ártico. Vê-las-ia desaparecer instantes depois entre o nevoeiro gelado, pouco antes de uma rena quase conseguir saltar a vedação com mais de dois metros de altura.
O termómetro desce esta noite aos 20 graus negativos e a explicação empírica do meu anfitrião volta a confirmar-se. A aurora boreal iria, de novo, colocar o seu vestido de gala e brindar-me com mais um bailado silencioso, divinal, de luz e cor.
De acordo com a antiga mitologia sami, não se deve assobiar enquanto se assiste à aurora boreal, pois traz má sorte. Em silêncio, de lábios gelados, sem assobiar, sinto-me claramente, bafejado pela sorte.
Nota: Este texto foi inicialmente escrito para a revista de bordo da companhia área portuguesa TAP. Foi, entretanto revisto, reescrito e publicado no blogue.
Veja também tudo o que precisa de saber para ver a Aurora Boreal e como fotografar as Luzes do Norte.
Informação extra
Como chegar à Lapónia
De Lisboa, Porto e Faro existem voos regulares para a capital da Finlândia, Helsínquia, embora somente as ligações da cidade lisboeta sejam directas. Das outras regiões do país terá de fazer escala no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.
Ao chegar a Helsínquia, terá de apanhar outro voo para Ivalo, na Lapónia finlandesa. O voo tem uma duração de cerca de 1h30 e existem partidas diárias, com a Finnair, e, várias vezes por semana, com a Norwegian. No entanto, a diferença de preços é abismal, chegando a 100€ de diferença em alguns casos. Recomendo a Skyscanner para comparar datas e preços.
Alugar um carro
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Em Ivalo, terá de deslocar-se um pouco mais para norte para chegar a Inari. Ao alugar o carro, se viajar no Inverno ou final do Outono, como é recomendado para avistar a Aurora Boreal, certifique-se que o seu veículo tem correntes de neve ou, ainda melhor, pneus de neve.
Hotel na Lapónia (Inari)
Quando visitei Inari fiquei hospedado numa cabana tradicional – Holiday Home Inarin poropirtit / sapara. Na altura, era apenas possível reservar através de email e paguei um total de 215€ por três noites, numa cabana (ou chalet) para quatro pessoas.
Esse alojamento e muitos outros estão disponíveis para reservar online, embora o preço tenha quase triplicado. No entanto, o preço parece ser igual para 2, 3 ou quatro noites. Existem, porém, alternativas semelhantes a preços inferiores.Pesquisar hotel em Inari.
Seguro de viagem
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